Na sexta-feira, eu finalmente resolvi ir trabalhar. Cheguei na minha sala – que não é mais só minha agora, tem o Fred também.
Fred?
O Fred é o estagiário.
- Meio dia e vinte, Srta. Sbaile. Isso são horas de chegar ao trabalho?
- Se liga, estagiário. Vai fazer café pra gente, vai!
- Ai, Sbaile... Pelo amor de Deus, me ensina alguma coisa. Não agüentei ficar essa semana inteira aqui sem você pra me divertir.
- Te divertir? Como assim estagiário?
- Ah, sei lá, você é a única que é legal comigo...
- Eu sou legal?
- É, você pelo menos me dá atenção...
- Ah, não é porque eu sou legal, é porque eu tenho preguiça de trabalhar e prefiro deixar você me encher o saco.
- Mas serve, eu gosto de você, Sbaile. Olha, fiz até um desenho seu.
Eu olho pra lousa na sala, e vejo um desenho tosco de uma mulher falando “Eu odeio tudo!”.
- Essa sou eu?
- É.
- Acho que sou mais magra em pessoa.
- Não, não é.
- Estagiário filho da puta. Você quer aprender alguma coisa? Eu vou te ensinar uma coisa...
- Por favor!
- Você sabia que os piratas não usavam tapa-olho porque eram caolhos? Eles usavam o tapa-olho pra que um dos olhos ficasse acostumado com a escuridão, assim eles avistavam os barcos inimigos durante o dia e atacavam durante à noite. Eles mudavam o tapa-olho de um lado para o outro, e conseguiam enxergar no escuro e no claro.
- Quem te contou isso, Sbaile?
- Um pirata.
- Um pirata de verdade?
- É.
- Aonde?
- Num bar.
- E isso é o que você tá me ensinando?
- É. Ah, estagiário... fala a verdade! Isso é interessante, porra.
- Mas eu preferiria que você me ensinasse sobre edição não-linear.
- Sério? Eu acho a história do pirata muito mais legal que edição não-linear. Você é tão adultinho, estagiário.
A Melissa entra na sala, sem bater, claro.
Melissa?
É, além da Melissa ser uma vaca sem coração, ela é a produtora do departamento de futebol. Obviamente, ela não sabe o que é um lance impedido ou quem é Diego Maradona, mas a Melissa tem uma formação em administração e se acha a artistinha da parada.
- Ei, vocês dois! Preciso de todas as jogadas do Landon Donavan desde 2001.
- Todas as jogadas, Melissa? Tipo, todas? – eu pergunto, indignada.
- É, todas.
- Tem certeza que você não quer só os gols dele?
- É, isso, gols, foi isso que eu quis dizer. Gols, isso. Até às 3 da tarde de hoje. É urgente.
- Impossível, Melissa. Simplesmente impossível isso acontecer até às 3.
- Sbaile, você não trabalha a semana toda, assim você me deixa toda acumulada. Além disso, é pra efetivar seu tempo que você tem o Fred.
- Melissa, eu não tenho nada disso digitalizado, não vai rolar. O Fred é estagiário só. Acho que pra eu fazer esse trampo até às 3, só se Deus descer na Terra e me ajudar.
- Sbaile, se vira. Isso não é problema meu.
Ela sai da sala.
- Fred, você disse que queria aprender alguma coisa, né? Aqui vai: o mercado de trabalho vai engolir você. Daqui dez anos, eu e você vamos sofrer com as seqüelas da lobotomia de uma produtora filha da puta que tem um maldito diploma em administração. Fica a dica.
- Eu te ajudo, Sbaile!
- Então vamos até aquela maldita videoteca procurar esse Landon Donavan do caralho.
Enquanto estávamos na videoteca, o Fred colocou o metal dos anos 90 dele pra tocar, e aí começou a me contar sobre essa menina que ele gosta, me pediu dicas de relacionamento, comentou sobre como a irmã dele é uma puta, falou que gostava de Salvador Dalí e que queria fazer uma tatuagem do Homem Aranha. Eu já não estava agüentando mais.
- Fred, bicho... Na boa.
- Que foi, Sbaile?
- Eu acho que vou me divorciar, eu tô doente ainda e eu odeio tudo. Só hoje, você pode parar de falar sobre você mesmo um pouco?
- Poxa, Sbaile... Foi mal. Mas... se divorciar?
- É. Deixa pra lá, meu. Vamos acabar de encontrar essas fitas e sair daqui.
- Não, me conta, por quê o divórcio?
- Ah, sei lá, Fred. Eu casei com o meu melhor amigo, agora ele é tipo meu irmão e a gente não tem química, sei lá. É estranho. Ele é o melhor homem do mundo, só não é o melhor homem pra mim.
- Eu te entendo, Sbaile.
- Ai, claro que não. Você tem 19 anos... Eu nem sei porque eu tô falando disso com você!
- Não, Sbaile. Não! Você gosta de mudanças, você não agüenta a rotina. Você ama o amigo o qual o seu marido se tornou, mas ao mesmo tempo, sente que sua vida não tem romance de verdade. E, aí, porque ele é seu melhor amigo, você não quer magoá-lo. Você tá num impasse.
- Não acredito que eu tô ouvindo isso de um moleque de 19 anos.
Sentei no chão da biblioteca e parei por uns segundos, com os olhos enchendo de lágrimas. O Fred sentou do meu lado e continuou:
- Sabe, às vezes eu ainda xereto o Orkut da minha ex. Não sei por que. Isso é bizarro, Sbaile?
- Não, eu já fiz isso também. Você quer saber se ela está se fodendo sem você, você quer entrar lá e ver que a vida dela é uma merda porque vocês não estão mais juntos.
- É isso mesmo!
- Eu te entendo, Fred.
- Sbaile, posso te dar um abraço?
- Pode, mas se eu sentir uma ereção sua, eu juro que te chuto escada abaixo.
3:20 PM
A Melissa entra na sala, sem bater de novo.
- Não posso esperar mais. Preciso dos gols, Sbaile!
- Me dá mais meia hora, Melissa, tô quase lá.
- Putz, essa sua gripe atrasou tudo, Sbaile. Tudo!
Eu poderia responder, mas nesse ponto da saga, eu já não tenho mais energia. Só abaixei a cabeça e me debrucei sobre o painel de controle. Olhei para todos aqueles botões e luzinhas, e me imaginei num foguete, decolando pro espaço. Foi aí que ouvi:
- Melissa, não faz mais isso com ela. A menina tá com febre, e ela tá falando em divórcio. Na boa, se você não der um tempo aqui, eu acho que a Sbaile se mata hoje à noite. Ela até chorou na videoteca!
Olhei pra trás e não acreditei no que vi: ao que a Melissa veio se aproximando, ela abriu os braços pra mim e falou:
- Ai, querida. Me desculpa. Eu também acabei de terminar um namoro. É tão triste.
- Melissa... Tá ok. Não esquenta. Mas você me dá mais meia hora?
- Tudo bem, Sbaile. Tudo bem.
A Melissa saiu da sala e o Fred olhou bem pra mim e falou:
- Tem dias que você me ensina, Sbaile. Mas tem dias que você aprende, né?
- Fred, saindo daqui, eu te levo pro bar e te compro um monte de New Castle. Você mereceu hoje!
- É claro que eu mereço. Eu sou o estagiário que virou lenda, Sbaile!
- Mas Fred, me promete uma coisa?
- O quê?
- Não me vai fazer uma tatuagem do Homem Aranha, meu!
(Imagem: desenho altamente realista do Fred e eu. Desculpem as marcas marrons, é que eu deixei o café cair no scanner)
2 comments:
O Brasil te espera!
Achei muito legal!até mim sentir "dentro da história"
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