Thursday, May 27, 2010

MENSAGEM DE VOZ


  • Esse é antigo, mas só estou postando agora.



Se existe uma coisa que me deixa louca, é ouvir mensagens de voz. Não sei o que é exatamente, mas mensagens de voz me irritam profundamente.

Gosto das mensagens de texto, são mais diretas. Ninguém manda uma mensagem de texto falando “Oi, aqui é fulano...”. A pessoa sabe que você sabe quem ela é. Na mensagem de voz não: a pessoa sente a necessidade de se identificar, mesmo sabendo que você sabe quem ela é. “Alô. Aqui é a fulana...”.

Caralho. Eu sei quem você é. Seu número e nome aparecem na tela!

Além disso, antes de ouvir a mensagem de voz, você tem que ouvir aquela mulherzinha falando “Olá, você tem duas novas mensagens. Para ouvi-las, tecle um”. Pra quê, meu Deus? Pra quê? Mostra logo a mensagem! Aí você ouve a mensagem e a vozinha eletrônica volta a falar com você: “Para apagar a mensagem, tecle 2. Para salvar a mensagem, tecle 3. Para ouvir a mensagem novamente, tecle 4.”

Que saco!

O mundo moderno ainda não é muito direto. No avião, eles te falam “Desliguem todos os aparelhos eletrônicos e celulares.” Eu me sinto tipo “Ah, que bom que você falou do celular, já que eu não saberia reconhecer um celular como aparelho eletrônico sozinha”.

Essas coisinhas do mundo me enchem o saco.

Na manhã de ontem, meu telefone tocou às sete da manhã.

“Ha!” – Eu pensei.

Já sabia do que se tratava. Não atendi. Depois me arrependi, porque agora a pessoa ia me deixar uma maldita mensagem de voz, mas aí já era tarde demais. O “beeeeeep” da mensagem de voz tocou. Agora a voz daquela pessoa estava lá, gravada para todo o sempre até que eu a apagasse. E para apagar, você tem que ouvir a maldita mensagem.

Levantei da cama. Peguei o telefone e li “1 nova mensagem de voz”. “Hmmm” – pensei. Fiquei olhando para aquele telefone por uns dois minutos, me preparando para ouvir a notícia.

“Não preciso ouvir essa merda, posso começar a chorar agora.”. Mas a mensagem estava ali, me encarando.

Fui fazer café.

Tomei café, fumei oito cigarros, andei pela casa sem calças, coloquei calças, saí da casa, lembrei que não tinha nada pra fazer fora da casa, entrei de novo, acendi outro cigarro e peguei o telefone.

Meus olhos se encheram de lágrimas só de ouvir o “Você tem uma nova mensagem”.

- Oi Carol. – A mensagem começava. Era a voz da minha tia Tânia. – Ontem, por volta da meia-noite, a vovó Zeni morreu...

Desliguei o telefone.

A notícia não era inesperada. Minha avó, Zeni Haddad Sbaile, 85 anos, pianista, pintora, cantora lírica, são paulina e fã do Mike Tyson, tinha morrido. Não foi um choque. Ela já não estava bem.

Eu tinha acabado de voltar do Brasil, fui para vê-la e dizer minhas palavra finais. Tinha escrito uma carta que nunca li pra ela, porque achei triste demais.

A minha avó, de fato, já não estava mais ali. Era só um corpo, se agarrando à vida após dezenas de problemas de saúde.

Eu, honestamente, desejei que ela morresse. Era muito sofrimento para a pobre velhinha.

Na minha despedida, tentei não chorar. Falei “Continua com a fisioterapia. Agüenta firme!”. Ela sorriu com um ar quase sarcástico diante da minha inocência. Eu desabei em choro com a cabeça no colo dela e falei “Vó, eu queria que você vivesse pra sempre!”. Ela apontou para a minha cabeça com a única mão que ainda se movia e falou “Eu vou.”

A minha avó não era como as outras avós. Ela era perfeita em todos os sentidos. Uma mulher que viveu a frente do tempo e sofreu nas mãos de uma época retrógrada.

Eu constantemente dizia a ela que ela era minha inspiração. Que ela era a pessoa mais legal do mundo. Ela me respondia “Mas eu queria ter feito alguma coisa para o mundo. Eu queria ter pintado para o mundo, cantado para o mundo... Mas eu não pude, porque era mulher casada e com filhos. Vivi em uma sociedade de donas de casa e maridos provedores que não entendiam os meus desejos”.

Minha avó Zeni morreu com o arrependimento de ter sido esposa e mãe ao invés de artista do mundo.

Ao contrário de todas as outras mulheres da minha família, minha avó me aconselhou a não ter filhos. Também me disse pra não cair nas balelas americanas do consumismo, alegando que a gente não leva nada desse mundo a não ser o espírito. E em tom sério, me pediu para que eu ignorasse o estilo de cinema de Hollywood, porque lá eles fazem filmes sem alma.

Olhei para o telefone de novo, e sorri. A minha avó foi uma das pessoas mais brilhantes na história das avós do mundo.

Eu não queria que esse capítulo do “Como sobreviver no primeiro mundo?” fosse brega ou trágico. Porque, de fato, não é. Estou falando de alguém que morreu aos 85 anos de idade. Viveu bastante e foi amada incondicionalmente, pelo menos por mim. Também estou falando de amor, que é o que fica. Só o amor fica.

E cada vez que eu assistir um filme dos anos 50, ver um jogo de futebol, ler “O Pequeno Príncipe”, olhar um quadro do Monet ou ouvir “Sonata ao Luar”, eu vou entender o que a minha avó me disse ao apontar para minha cabeça dizendo que viveria pra sempre.

Na noite de antes de ontem. Dia dez de novembro de 2009, morreu Zeni Haddad Sbaile, avó mais legal do mundo, o maior amor da minha vida e inspiração para este e muitos outros capítulos do “Como sobreviver no primeiro mundo”.


1 comment:

schulai said...

Oi Carol!

Incrível! As nossas avós para mim são as melhores pessoas do mundo! Para suportarem o período em que viveram do jeito que suportaram elas já merecem todo nosso respeito e carinho!

Manda ver!

Bjs

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