Há alguns anos atrás, conheci minha melhor amiga da Flórida: Senhorita Destiny Golden.
O pai da Destiny abandonou a família quando ela era bebê ainda. Aos 15 anos, a mãe da Destiny sofreu um derrame e ficou paralisada no lado direito. A Destiny então se tornou responsável pela mãe e teve que largar os estudos. Aos 24, a mãe da Destiny teve um problema sério de circulação, o que levou os médicos a amputarem a perna esquerda dela.
Foi então que a Destiny não agüentou mais: colocou a mãe em um hospital permanentemente e voltou a estudar. Hoje, a Destiny é jornalista.
A família Golden, apesar de ter um sobrenome judeu (só Deus sabe o porquê), é extremamente evangélica e afro-americana.
Eu poderia escrever um livro só sobre negros americanos e suas peculiaridades, manias e filosofias. Claro que cada indivíduo é único, mas existem várias coisas sobre a cultura afro-americana que são, no mínimo, fascinantes e hilárias.
A Destiny cresceu cantando no coro da igreja. A voz dela é sensacional, fora do comum. Ela é fora do comum, fantástica, menina incrível!
- Sbaile, a tia Rita morreu. – A Destiny me liga.
- Ela não tinha morrido o mês passado?
- Não, aquela foi a tia Joane.
- Foi a que eu conheci?
- Não, você conheceu a tia Elaine.
- Meu! Quantas tias você tem?
- Vivas? 12.
- Tá brincando!
- Não, não... verdade. Eu sou preta, Sbaile...
- E...?
- Preto gosta de procriar.
- Tô vendo...
- Mas então, você quer ir ao funeral comigo?
- Não, honestamente.
- Vai ser divertido!
- Divertido?
- É! É funeral de preto...
- E...?
- E preto é sempre animado!
- Ah é?
- É. Você vai ver! Depois a gente vai beber em algum lugar com a tia Lakisha e a tia Denise!
- Meu Deus... tá, tá bom.
Toca a Destiny passar na minha casa com uma caminhonete lotada de tias.
- Sbaile! Não acredito que você não está pronta ainda!
- Quê? Tô pronta! Prontíssima.
- De jeans?
- É, ué...
- Não, veste uma saia preta!
- Por quê?
- É funeral... você tem que ir de saia preta.
- Ai Deus... Não raspei a perna.
- Raspa aí rapidinho, vai...
- Caralho, Destiny...
Lá vou eu colocar a maldita saia preta.
No carro, as 678 mil tias que cabiam naquele veículo usavam óculos de sol.
Chegamos ao funeral. Lá estava a pobre tia Rita. Ela devia pesar uns 180 quilos.
- Destiny! Ow... Destiny!
- Que é, Sbaile?
- Por que todo mundo tá de óculos de sol?
- Ah, porque a gente é preto...
- Essa é sua resposta pra tudo agora?
- Sbaile... Você não sabe nada sobre pretos...
- Como assim?
- Pretos são assim, ué... óculos de sol em funeral é coisa da gente.
- Mas por quê?
- Eu não sei por que... Só sei que a gente é assim.
- Afff.
Não havia um branco sequer naquele funeral a não ser eu. Todo mundo me olhava como se eu fosse a assassina da tia Rita.
- E você, quem é? – um dos 8 filhos da tia Rita me pergunta.
- Eu era manicure da sua mãe.
- É mesmo?
- É.
Alguns minutos passam.
- Sbaile! Você falou pro Greg que era manicure da tia Rita? – A Destiny pergunta indignada.
- Falei.
- E por que você mentiu?
- Destiny... Você falou que esse funeral ia ser animado. Não tá animado coisa nenhuma. Eu tive que mentir.
- Quê? O que você acabou de falar não faz o menor sentido!
- É que eu sou branca...
- Quê?
- Nós brancos somos assim. Não fazemos sentido.
- Sbaile, a tia Rita só ia em salão de preto. Ele sacou que você tava mentindo...
- E daí, Destiny?
- E daí que o primo Greg é...
Hora do discurso.
E não é que o primo Greg me sobe no palquinho pra falar sobre a tia Rita! De óculos escuro e vestindo preto... Senhoras e senhores: o primo Greg!
- Senhoras e senhores aqui presentes, hoje é o dia do funeral da minha mãe, Sra. Rita Golden, que já foi dona de uma casa de jogatina...
- Olha a tia Rita... pecadora... – Eu falo no ouvido da Destiny.
- Sbaile, chega!
- ...Mas que foi salva pelo Senhor!
Ah não!
- Senhoras e senhores: esta mulher que já foi alcoólatra, que já foi viciada em jogo, que já foi pecadora carnal... Hoje descansa na paz do Senhor, porque ela genuinamente aceitou o sangue de Cristo...
- Amem! – alguém de saia preta e óculos de sol grita.
- ... Mas eu não estou aqui pra falar da minha mãe...
Ha! Não? Que discurso original para um velório.
- ...Não! Estou aqui para falar da salvação de Cristo! Porque eu, assim como minha mãe, fui salvo pelo Senhor. Um homem bateu na minha porta num certo domingo, ele me perguntou: “Você é Greg Golden?” “Sim, eu sou o Greg Golden” – eu falei. Tia Verônica estava comigo naquela momento. Não é verdade, tia Verônica?
- Sim, é verdade! – Ela grita.
- ...Ela estava comigo. Porque o Senhor sempre tem uma testemunha! E o homem que bateu na minha porta caiu no chão ao ouvir meu nome. Eu pensei que ele tivesse caído de morto. Não é verdade tia Verônica?
- Sim!
- Porque o Senhor sempre tem uma testemunha! Mas ele não estava morto, ele estava lá para me salvar. E eu fui salvo. Na semana seguinte, eu fui à Igreja e o pastor falou meu nome no meio do sermão. Primo Justin estava comigo. Não é verdade, primo?
- É!
- Porque o Senhor sempre tem uma testemunha! E dessa vez, fui eu que caí no chão, porque fui atacado pelo raio divino da salvação. É ou não é, Justin?
- É!
- Porque o Senhor sempre tem uma testemunha! E naquele momento eu entendi o sentido da vida. Voltei pra casa, nunca mais bebi. Minha mulher sabe. Sabe ou não sabe, Vivian?
- Sei!
- Porque o Senhor sempre tem uma testemunha!
PUTA QUE O PARIU!
E dalí pra frente, o discurso foi ficando cada vez mais absurdo.
- Destiny, preto ou não preto... isso é ridículo!
- Eu sei, Sbaile... Eu sei. Essa é a parte divertida.
- Sério? Essa é a parte divertida? Puta merda, Destiny, sua completa vaca...
- Shhh! Eu não posso rir.
- Rir? O que tem aqui pra rir? Não é pra rir, eu tô puta com você!
- PORQUE O SENHOR SEMPRE TEM UMA TESTEMUNHA!
E o discurso acabou assim. Ha! Quem diria, huh?
Dei uma última olhada na tia Rita e falei com ela: “Tia Rita, aonde quer que você esteja, você está melhor que a gente aqui!”
Antes de eu finalmente sair daquela capelinha patrocinadora da Oakley, primo Greg voltou a falar comigo:
- Você acha que o Senhor aprova suas gracinhas?
- Me desculpe, primo Greg. Não sei por que menti pra você. É que eu não tinha sido salva até o dia de hoje. Não é verdade, Destiny?
- É, é verdade.
- Porque o Senhor sempre tem uma testemunha. É ou não é, primo Greg?
1 comment:
Conto real!? Diversidade no cotidiano. adorei!
beijosss
Gi
ps. republiquei Vó Zeni no blog novo!
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