Tuesday, February 23, 2010
Meu vizinho Scott
Fui lavar roupas. As máquinas de lavar e secar ficam em um quartinho nos fundos, em frente ao jardim.
Olho pro jardim. Parece um campo minado. A Stella cavou pelo menos 8 buracos lá, atrás de iguanas, esquilos e tatus.
Toda semana ela traz um animal morto pra casa. Ela fica coberta de terra, parecendo um zumbi que acabou de ser desenterrado. Passa pela porta com aquele focinho bigodudo dela cheio de sangue e o rabicó abanando.
Se der sorte de eu estar em casa, ela não espalha as entranhas do animal morto pelos tapetes, sofás e poltronas.
Vejo um homem se aproximando.
- Oi. Eu sou o Sean.
Fiz uma cara de dúvida.
- Eu sou o dono dessa casa, que você mora.
Ah, é ele que recebe meu aluguel.
- Oi Sean. Eu sou a Carol.
- Por que meu jardim tá inteiro cavocado?
- Ah, é a Stella. Tá vendo aquela cachorrinha ali? Ela cavoca.
- Eu gastei centenas de dólares nesse jardim, Carol.
- Desculpa, Sean. Não posso controlar a Stella a todo o tempo. Vou chamar um jardineiro pra consertar.
- Ah, eu estou tão desapontado! – Ele fala com aquele jeito de gay rico dele.
- Eu já falei, conserto seu jardim.
- Essa cachorrinha minúscula fez esse estrago todo?
- É...
- Meu Deus!
Ah, o que ele quer que eu faça? Cachorro é assim, ué. Eles caçam. Não tenho um cachorro aviadado sem vida, tipo um shitzu, maltês ou qualquer coisa homossexual dessas.
A Stella é cão de caça, vira-lata cabrera que cresceu num orfanato em Miami fuck yeah! A Stella é do gueto.
Ignoro o chilique do proprietário e vou assistir o programa do Larry David.
Volto pra secar a roupa.
Um loiro cabeludo se aproxima.
- Cadê a cachorrinha?
- Tá em casa. Não posso mais deixar ela sozinha no jardim. Ela cavoca.
- Ah, cachorro é assim mesmo.
Não falei?
- Eu sei. Mas o proprietário da casa reclamou.
- Então agora ela não vai mais vir ao jardim?
- Não.
- Ah não, dona... por favor. Deixa ela vir.
- Acabei de falar que não posso. Afinal de contas, quem é você?
- Meu nome é Scott. Sou seu vizinho aqui. Acabei de me mudar de Chicago.
- E já conhece a minha cachorra?
- Ah, ela é demais... Sabe, eu só conheço a sua cachorrinha por aqui. Todo dia de manhã eu venho ao seu jardim comer cachorro quente com ela. Ela gosta de cachorro quente.
- Ah, se você me prometer que não deixa ela cavar, eu solto ela de novo.
- Eu prometo! Sabe, eu me mudei porque estou com um tumor na cabeça.
Ele vira as costas e eu vejo o curativo na cabeça.
- Nossa, Scott. Isso é sério, não é?
- É. O tratamento na Flórida é mais barato. Deixei tudo que eu tinha em Chicago.
- Você não é casado?
- Não, não. Só tenho minha mãe viva. Ela veio comigo. A gente divide um apartamento de um quarto aqui. Nossas economias vão todas para o câncer.
- Eu sinto muito.
- Ah, a gente acaba aceitando o que a vida traz. O que eu queria mesmo, era passar mais tempo com a sua cachorrinha.
Soltei a Stella. Ela foi correndo pra ele.
E, daquele dia em diante, a Stella vai a casa do Scott ver TV com ele de manhã enquanto eu limpo a casa. Eu abro a porta, ela corre pra porta dele e começa a latir. Ele abre a porta e ela lambe a perna dele, depois pula no sofá e lá fica, quietinha.
Antes do meio-dia, eu vou buscar a Stella para passear.
- Carol, muito obrigado por deixar a Stella comigo. Ela é só o que eu tenho.
- É, ela parece saber disso também.
- Enquanto as pessoas aqui me olham cabeludo, tatuado, com a cabeça cortada... A Stella não liga.
- É, cachorros são mais bom coração, Scott.
- Eu acho que vou morrer, Carol.
- Credo, Scott. Pára!
- É sério. Eles vão me internar em Miami na quarta-feira.
Meus olhos se encheram de lágrimas.
- Ah, Scott. Você vai ficar bem.
- Eles não podem remover todo o tumor... tá entre a massa cerebral.
- Quer que eu leve a Stella pro hospital pra visitar?
- Você faria isso?
- Claro, Scott.
- Eu vou ficar pensando nela, pra me ajudar a animar os dias.
Abracei meu amigo e fui passear com a Stella.
Hoje fomos ver o Scott, que está sem os cabelões loiros dele agora. Magrinho, numa cama de hospital.
Ao vê-lo, a Stella levantou as sobrancelhas peludas de schnauzer dela e já começou a abanar o rabinho.
- Stella, eles não me dão cachorro quente aqui. – Ele falou.
Por causa do tumor, eles tiveram que remover um dos olhos do Scott. Agora ele tá com um tapa olho, estilo pirata.
Saí do hospital. A Stella foi até o carro choramingando e olhando pra trás.
Ela tinha acabado de sentir a dor da perda. Quando ela acorda, não tem mais Scott. Ainda sim, todos os dias, ela corre para a porta dele e late. Depois deita na frente da casa dele choramingando.
Só os completamente insensíveis podem olhar para o meu jardim e enxergar um monte de buracos e animais mortos, ao invés de uma vira-lata que se alegra toda vez que vê um ser-humano passando pela rua.
Mas o Scott ainda não morreu, está se tratando com quimo e morfina. De qualquer forma, a Stella e eu queremos lembrar o Scott da foto, que bebia a cerveja gelada dele no nosso jardim enquanto dividia a comida dele com uma cachorrinha.
Vão aqui minhas melhores vibrações a um amigo de verdade.
3 comments:
oww que lindo Carol!
Fico torcendo pra que ele fique bom e volte pra casa. Pra felicidade de todos, em especial da stella :D
Só escrevendo, mesmo!Vida? Seu tom é ficcional - a arte imita a vida ou a vida imita a arte? Continue escrevendo é tão necessário quanto respirar!
beijoss
Gi
Vibrações positivas daqui também! E leva a Stella lá mais vezes, se puder...
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