Sunday, January 31, 2010
E se eu tiver AIDS? (parte I)
Outro dia recebi uma cartinha da imigração me mandando fazer um exame médico.
- Por que eu preciso de exame médico? Mas que cacete de governo do caralho!
Era bom que eu fosse ao hospital mesmo, porque eu sofro de tremeliques. Não sei o que é, mas eu tenho uns tremeliques. Fico tremendo por horas. Às vezes derrubo café, não consigo escrever à mão... Enfim, é um saco.
Fui ao hospital.
Sala de espera.
- Você pode preencher esse formulário? – a recepcionista pergunta.
Oito filhas da puta páginas! Eu começo a preencher.
- Sbaile!
Eu olho. É o Muhammad. Muhammad? Conheci na faculdade.
- Muhammad!
- Você tá bem, Sbaile?
- Eu tô. E você?
- Eu tô bem. Por que você veio até aqui?
- Pra passar o tempo.
- Ah é?
- É. E você?
- Engravidei.
- Parabéns!
- Obrigado.
Silêncio.
Um cara de rastafári senta do nosso lado.
- Você ainda fala com o povo da faculdade, Muhammad? – Eu pergunto.
- Não, não. Você?
- Também não.
- Muhammad... Ali. – o rastafári solta.
- Ele é da família. – eu respondo.
- É mesmo?
- É. Muhammad Ali, Muhammad Mamed, Muhammad Abdul e Muhammad Maluf... São os irmãos. – eu.
- Que loucura! Eu adoro seu irmão, cara! Muhammad Ali, esse é o cara! – o rastafári pira na minha mentira.
- Vou falar que você mandou lembranças. – o Muhammad responde.
- Cara... Nossa... Bicho... Cara... Fala pra ele que ele foi o melhor! Que ele é lenda!
- Vou falar, vou falar...
- Vocês dois são casados?
- Somos. – o Muhammad responde.
- Bacana... Legal. Vocês são de onde?
- Arábia Saudita.
- Ah, eu sou Jamaicano.
- Não diga! – eu, muito surpresa.
- Sério. De Kingston!
- Olha só, que coisa. – Muhammad.
- Mas, mas... Vocês são mais americanizados, né? Porque sua mulher não tá com o véu na cabeça.
- Hoje eu liberei. – Muhammad.
- Ela tem que usar o véu, então?
- Ela e as minhas outras quatro esposas.
- Você tem quatro? Mentira.
- Fala pra ele, Sbaile.
- Eu sou a esposa número dois.
- Não acredito! Uma mulher bonita assim, com um gorducho desses! E ainda dividindo? Isso não pode ser...
- Na Jamaica não é assim? – eu pergunto.
- Imagine! Mulher jamaicana não aceita esse tipo de coisa!
- Porque vocês homens jamaicanos não colocam elas na linha! – o Muhammad fica indignado.
- Não cara... Mulher tem que ter liberdade! Elas podem ser livres também.
- Livres? Mulheres? Não, não, isso é absurdo... – Eu.
O Jamaicano ficou louco.
Tremelique. Tremelique. Tremelique.
- Por que sua mulher tá tremendo?
- Putz, Sbaile... Por que você tá tremendo?
- Não sei. Acontece.
- Mas bicho, seu irmão... O Ali, ele só tem uma esposa...
Não acredito!
- Carolina Sbaile? – A recepcionista me chama.
- Opa. É a minha vez. Tchau, meninos.
Entrei no consultório do Dr. Mancini.
- Boa tarde. – Ele fala.
- Boa tarde.
- O que eu posso fazer por você hoje?
- Exames para imigração.
- Ah... HIV, sífilis, hepatite, drogas e físico então?
- Quê?
- Esses são os exames da imigração.
- HIV?
- É.
- Credo. E esse de drogas?
- É para álcool, maconha, cocaína, heroína e derivados da heroína.
- Hahahaha! Ainda bem que eu só uso o cogumelo da alegria.
Ele me olha com uma cara espantada.
O Dr. Mancini tira meu sangue e faz o exame físico. Depois diz que eu preciso de três vacinas.
- Aaaaaiiiiiiiii! Puta que o pariu! Caralho! Porra! Merda! Cacete e BUCETA!
- Que foi? – a enfermeira se espanta.
- Essa vacina dói muito!
- Espera pra ver quanto ela custa, aí você vai até chorar...
- Quanto ela custa?
- 165 dólares.
- QUÊ?
- Um absurdo, né?
- Eu tenho que pagar por isso?
- Claro que tem. Você está na América, gata!
- Credoooooo! Extraia essa vacina de mim! Eu não quero ela... anda! Tira ela de mim!
- Haha! Eu não posso mais. Alem disso, você precisa da vacina pro seu green card.
- Que roubo. Eu fico puta e... Aaaaaaiiiiiiiiiiiii!
Outra vacina.
- Quanto custou essa?
- 35 dólares.
- Nossa, que beleza. Tá na promoção?
- Haha. Você é engraçada.
- Ah... que... Aaaaaaaaaaaiiiiiiiii!
Outra vacina. Mas que porra!
- Então, enfermeira... Quando eu volto aqui pra saber se eu sou uma aidética alcoólatra viciada em heroína?
- Semana que vem tá pronto.
- Obrigada.
Tremelique.
- Meu Deus! Será que você está tendo uma reação à vacina?
- Não, é só tremelique.
- Deixa eu confirmar com o Dr. Mancini.
O Dr. Mancini entra na sala.
Tremelique.
- É tremelique. – ele fala.
- Tá vendo, enfermeira? Eu falei... Mas... Dr. Mancini, por que eu tremo?
- Sistema nervoso, você é estressada e o corpo demonstra o estresse dessa maneira.
- Isso é normal?
- Bom, estresse pode causar problemas de circulação, cânceres e paradas cardíacas.
- Credo! Eu não quero essas coisas. O que eu faço, Dr.?
- Eu posso receitar um remédio, é natural mas um pouco caro...
- Quanto?
- 85 dólares a caixa que dura uma semana.
- Deixa quieto, eu prefiro câncer.
- Ou você pode fazer terapia.
- Quanto custa a terapia?
- De 120 a 200 por hora.
- Não, câncer tá bom pra mim.
Conta final dos exames: 524 dólares. Puta que o pariu! América, seu monstro engolidor de grana.
Sai do consultório.
- Hey! Senhora! Senhora Muhammad!
- Ai céus!
Sim, era ele: o rastafári.
- Pois não?
- Seu marido te abandonou! Ele saiu, já faz uma meia hora.
- Eu sei. Eu mereço ser tratada assim.
- Sra. Muhammad... A Sra. Vai me desculpar mas... Não aceite essa condição de vida! Isso que ele faz com a Sra. é muito cruel.
- Rastafári, eu tenho que te falar uma coisa: a gente tava brincando. Não somos casados. Era tudo mentira.
- Então ele não é seu marido?
- Não, ele é meu colega de faculdade.
- Ah tá... Mas...
- Sim?
- Ele é mesmo irmão do Muhammad Ali?
- É, Rastafári, ele é.
- Cara, que demais!
Wednesday, January 27, 2010
O gênio que virou tomada
Uma coisa que poucos sabem é que eu fui treinada em música clássica e, acreditem se quiser, em óperas.
E mesmo depois que virei adulta e abri meus horizontes musicais, a essência nunca mudou. Posso escutar Iggy Pop falando que quer ser meu cachorro, o Anti Nowhere League falando que eles são um aborto humano, e até Misfits falando “Eu estuprei sua mãe hoje, mas não tô nem aí” ...
Mas o passado lírico não me deixa.
Foi uma combinação de educação familiar clássica judaica com a influência de amigos, principalmente meu melhor amigo do colegial - o Luis, que fez com que meu gosto musical se tornasse essa bagunça.
Graças a Deus e ao bom senso, meu passado de conservatório não me faz gostar de cânceres sociais tipo Nightwish e... qual é a outra atrocidade musical mesmo? Peraí, tenho que ir no Google...
... Voltei do Google!
Evanescece! Puta merda, aquilo é uma maldição!
Mas eu cansei de esconder meu passado. Senhoras e senhores: eu sou da época em que BBB era gíria para Bach, Brahms e Beethoven ao invés de Big Brother Brasil. Pronto, falei! Essa gíria existe mesmo, não tô inventando.
Sempre tive minhas diferenças com o barroco, então tenho uma relação de amor e ódio por Johann Sebastian e outros, tipo Vivaldi (o padreco). Alem do mais, nunca curti a cara do Bach nas fotos, ele é o mais esquisito de todos. E todo aquele lance de Jesus me enche um pouco o saco. Mas daí... Ah, daí... Só os insensíveis conseguem escutar Prelúdio e Fuga em Dó Menor sem sentirem a espinha arrepiar.
A era clássica nos salva um pouco da igreja, e a loucura latente de Mozart chega para quebrar os padrões da época com óperas cantadas em alemão. Só Wolfgang Amadeus consegue transformar um dos idiomas mais durões do mundo em romance. Aí chega Hitler para acabar com a festa em seus discursos em praça pública, voltando a transformar o alemão numa das línguas mais tenebrosas da história de novo. Mas isso foi bastante tempo depois... Até o alemão já teve sua era romântica.
Aliás, Hitler também acabou com o nome Adolf. Ninguém mais se chama Adolf. Ah, tudo bem... Adolf nem é um nome tão legal quanto Wolfgang, Ludwig ou Johannes.
E, pensando nisso: o que aconteceu com a Áustria? Um monte de coisas legais, cavernosas e esquisitas vieram da Áustria. O império Austro-Húngaro, pelo amor de Deus! Aliás, o que aconteceu com a Hungria? Nada de relevante vem de lá também... Ah, vai saber.
Mas voltando aos germânicos... Vocês acreditam que Beethoven virou o nome de um São Bernardo babão em um filme para famílias? Ludwig van deve estar pulando de raiva na cova... Ele já tinha umas tendências agressivas suicidas mesmo, era meio putinho, meio cheio de TPMs.
E o próprio São Bernardo? Passou de santo, ser divino... a cachorro babão! Vê se pode!
Agora, o pior de todos é o Benjamin Franklin! Benjamin descobriu a eletricidade, assinou o documento de independência dos Estados Unidos e terminou como aquele trequinho cheio de plugs para tomadas!
“Ô Ricardô! Me passa o benjamim pra eu ligar o Playstation aqui, meu!”
Querido Benjamin, eis aqui seu legado: você é um trequinho de plástico para tomadas. Minhas sinceras desculpas.
“Todos os dias, às nove da manhã, eu acordo e pego o jornal. Vou para a parte de óbitos. Se meu nome não estiver lá, eu me levanto.” – Benjamin Franklin.
Pelo menos esse não deve estar se mordendo na cova, tinha mais senso de humor.
Nesse meu pensamento nostálgico sobre meu passado tão cheio de influências, peguei o violino que não tocava há anos, imprimi uma meia dúzia de partituras e dei um concerto na sala para minha vira-lata, a Stella.
- Minha cara Stella. Senta.
Ela sentou.
- Boa menina. Agora fica.
Ela ficou.
- Stella, eu lhe apresento “Rondo Alla Turca”. Uma das peças mais influentes do período clássico, composta por um baixinho clinicamente louco e muito mais útil para a sociedade que Napoleão. Stella, é hora de você conhecer Wolfgang Amadeus!
A coitada da Stella só conseguiu agüentar minha marchinha violínica por um pouco mais que vinte segundos. Depois se levantou e foi correr atrás de pombos no jardim.
Eu continuei sozinha, quase que automaticamente. Terminei o movimento e pensei:
- Não liga, Mozart. Ela é só uma cachorrinha. Na semana passada mesmo, ela comeu um monte de maconha e ficou dura por dois dias. Só se levantava pra beber água. Ela não sabe o que faz.
Pobre Mozart. Existe um doce de coco e chocolate na Áustria chamado “Bolas de Mozart”. As bolas do Mozart foram diminuídas a um docinho de coco. Depois disso, acho que ele não liga se a Stella não gostar muito dele.
Eu entenderia se na Itália eles tivessem um pirulito chamado “pistola do Rocco”. Mas pô, por que usar as bolas do Mozart para nome de chocolate? Que sacanagem!
E o Hitler, esse se fodeu, o “bigode de Hitler” é hoje termo para depilação da vagina. Digo que ele se fodeu porque Hitler não gostava de mulher. Deveriam ter chamado o estilo de “bigode de Chaplin”. Chaplin sim, esse ficaria honrado de ter o bigode colado em milhares de vaginas brasileiras!
O ponto desse texto é que, leitor... leia bem:
Não importa o quanto você se esforce, o mundo nunca vai te levar tão a sério quanto você mesmo se leva.
Então, da próxima vez que alguém falar que você não é tudo isso, lembre-se que Benjamin Franklin virou tomada, que as bolas do Mozart são comidas diariamente por austríacos, que Hitler tomou o lugar de Chaplin na hora de ter o bigode colado em vaginas por todo mundo, que São Bernardo virou cachorro e que o cachorro virou Beethoven!
Leitores, desistam. Num mundo desses, só nos resta viver.
Tuesday, January 26, 2010
Funeral Afro-Americano
Há alguns anos atrás, conheci minha melhor amiga da Flórida: Senhorita Destiny Golden.
O pai da Destiny abandonou a família quando ela era bebê ainda. Aos 15 anos, a mãe da Destiny sofreu um derrame e ficou paralisada no lado direito. A Destiny então se tornou responsável pela mãe e teve que largar os estudos. Aos 24, a mãe da Destiny teve um problema sério de circulação, o que levou os médicos a amputarem a perna esquerda dela.
Foi então que a Destiny não agüentou mais: colocou a mãe em um hospital permanentemente e voltou a estudar. Hoje, a Destiny é jornalista.
A família Golden, apesar de ter um sobrenome judeu (só Deus sabe o porquê), é extremamente evangélica e afro-americana.
Eu poderia escrever um livro só sobre negros americanos e suas peculiaridades, manias e filosofias. Claro que cada indivíduo é único, mas existem várias coisas sobre a cultura afro-americana que são, no mínimo, fascinantes e hilárias.
A Destiny cresceu cantando no coro da igreja. A voz dela é sensacional, fora do comum. Ela é fora do comum, fantástica, menina incrível!
- Sbaile, a tia Rita morreu. – A Destiny me liga.
- Ela não tinha morrido o mês passado?
- Não, aquela foi a tia Joane.
- Foi a que eu conheci?
- Não, você conheceu a tia Elaine.
- Meu! Quantas tias você tem?
- Vivas? 12.
- Tá brincando!
- Não, não... verdade. Eu sou preta, Sbaile...
- E...?
- Preto gosta de procriar.
- Tô vendo...
- Mas então, você quer ir ao funeral comigo?
- Não, honestamente.
- Vai ser divertido!
- Divertido?
- É! É funeral de preto...
- E...?
- E preto é sempre animado!
- Ah é?
- É. Você vai ver! Depois a gente vai beber em algum lugar com a tia Lakisha e a tia Denise!
- Meu Deus... tá, tá bom.
Toca a Destiny passar na minha casa com uma caminhonete lotada de tias.
- Sbaile! Não acredito que você não está pronta ainda!
- Quê? Tô pronta! Prontíssima.
- De jeans?
- É, ué...
- Não, veste uma saia preta!
- Por quê?
- É funeral... você tem que ir de saia preta.
- Ai Deus... Não raspei a perna.
- Raspa aí rapidinho, vai...
- Caralho, Destiny...
Lá vou eu colocar a maldita saia preta.
No carro, as 678 mil tias que cabiam naquele veículo usavam óculos de sol.
Chegamos ao funeral. Lá estava a pobre tia Rita. Ela devia pesar uns 180 quilos.
- Destiny! Ow... Destiny!
- Que é, Sbaile?
- Por que todo mundo tá de óculos de sol?
- Ah, porque a gente é preto...
- Essa é sua resposta pra tudo agora?
- Sbaile... Você não sabe nada sobre pretos...
- Como assim?
- Pretos são assim, ué... óculos de sol em funeral é coisa da gente.
- Mas por quê?
- Eu não sei por que... Só sei que a gente é assim.
- Afff.
Não havia um branco sequer naquele funeral a não ser eu. Todo mundo me olhava como se eu fosse a assassina da tia Rita.
- E você, quem é? – um dos 8 filhos da tia Rita me pergunta.
- Eu era manicure da sua mãe.
- É mesmo?
- É.
Alguns minutos passam.
- Sbaile! Você falou pro Greg que era manicure da tia Rita? – A Destiny pergunta indignada.
- Falei.
- E por que você mentiu?
- Destiny... Você falou que esse funeral ia ser animado. Não tá animado coisa nenhuma. Eu tive que mentir.
- Quê? O que você acabou de falar não faz o menor sentido!
- É que eu sou branca...
- Quê?
- Nós brancos somos assim. Não fazemos sentido.
- Sbaile, a tia Rita só ia em salão de preto. Ele sacou que você tava mentindo...
- E daí, Destiny?
- E daí que o primo Greg é...
Hora do discurso.
E não é que o primo Greg me sobe no palquinho pra falar sobre a tia Rita! De óculos escuro e vestindo preto... Senhoras e senhores: o primo Greg!
- Senhoras e senhores aqui presentes, hoje é o dia do funeral da minha mãe, Sra. Rita Golden, que já foi dona de uma casa de jogatina...
- Olha a tia Rita... pecadora... – Eu falo no ouvido da Destiny.
- Sbaile, chega!
- ...Mas que foi salva pelo Senhor!
Ah não!
- Senhoras e senhores: esta mulher que já foi alcoólatra, que já foi viciada em jogo, que já foi pecadora carnal... Hoje descansa na paz do Senhor, porque ela genuinamente aceitou o sangue de Cristo...
- Amem! – alguém de saia preta e óculos de sol grita.
- ... Mas eu não estou aqui pra falar da minha mãe...
Ha! Não? Que discurso original para um velório.
- ...Não! Estou aqui para falar da salvação de Cristo! Porque eu, assim como minha mãe, fui salvo pelo Senhor. Um homem bateu na minha porta num certo domingo, ele me perguntou: “Você é Greg Golden?” “Sim, eu sou o Greg Golden” – eu falei. Tia Verônica estava comigo naquela momento. Não é verdade, tia Verônica?
- Sim, é verdade! – Ela grita.
- ...Ela estava comigo. Porque o Senhor sempre tem uma testemunha! E o homem que bateu na minha porta caiu no chão ao ouvir meu nome. Eu pensei que ele tivesse caído de morto. Não é verdade tia Verônica?
- Sim!
- Porque o Senhor sempre tem uma testemunha! Mas ele não estava morto, ele estava lá para me salvar. E eu fui salvo. Na semana seguinte, eu fui à Igreja e o pastor falou meu nome no meio do sermão. Primo Justin estava comigo. Não é verdade, primo?
- É!
- Porque o Senhor sempre tem uma testemunha! E dessa vez, fui eu que caí no chão, porque fui atacado pelo raio divino da salvação. É ou não é, Justin?
- É!
- Porque o Senhor sempre tem uma testemunha! E naquele momento eu entendi o sentido da vida. Voltei pra casa, nunca mais bebi. Minha mulher sabe. Sabe ou não sabe, Vivian?
- Sei!
- Porque o Senhor sempre tem uma testemunha!
PUTA QUE O PARIU!
E dalí pra frente, o discurso foi ficando cada vez mais absurdo.
- Destiny, preto ou não preto... isso é ridículo!
- Eu sei, Sbaile... Eu sei. Essa é a parte divertida.
- Sério? Essa é a parte divertida? Puta merda, Destiny, sua completa vaca...
- Shhh! Eu não posso rir.
- Rir? O que tem aqui pra rir? Não é pra rir, eu tô puta com você!
- PORQUE O SENHOR SEMPRE TEM UMA TESTEMUNHA!
E o discurso acabou assim. Ha! Quem diria, huh?
Dei uma última olhada na tia Rita e falei com ela: “Tia Rita, aonde quer que você esteja, você está melhor que a gente aqui!”
Antes de eu finalmente sair daquela capelinha patrocinadora da Oakley, primo Greg voltou a falar comigo:
- Você acha que o Senhor aprova suas gracinhas?
- Me desculpe, primo Greg. Não sei por que menti pra você. É que eu não tinha sido salva até o dia de hoje. Não é verdade, Destiny?
- É, é verdade.
- Porque o Senhor sempre tem uma testemunha. É ou não é, primo Greg?
O pai da Destiny abandonou a família quando ela era bebê ainda. Aos 15 anos, a mãe da Destiny sofreu um derrame e ficou paralisada no lado direito. A Destiny então se tornou responsável pela mãe e teve que largar os estudos. Aos 24, a mãe da Destiny teve um problema sério de circulação, o que levou os médicos a amputarem a perna esquerda dela.
Foi então que a Destiny não agüentou mais: colocou a mãe em um hospital permanentemente e voltou a estudar. Hoje, a Destiny é jornalista.
A família Golden, apesar de ter um sobrenome judeu (só Deus sabe o porquê), é extremamente evangélica e afro-americana.
Eu poderia escrever um livro só sobre negros americanos e suas peculiaridades, manias e filosofias. Claro que cada indivíduo é único, mas existem várias coisas sobre a cultura afro-americana que são, no mínimo, fascinantes e hilárias.
A Destiny cresceu cantando no coro da igreja. A voz dela é sensacional, fora do comum. Ela é fora do comum, fantástica, menina incrível!
- Sbaile, a tia Rita morreu. – A Destiny me liga.
- Ela não tinha morrido o mês passado?
- Não, aquela foi a tia Joane.
- Foi a que eu conheci?
- Não, você conheceu a tia Elaine.
- Meu! Quantas tias você tem?
- Vivas? 12.
- Tá brincando!
- Não, não... verdade. Eu sou preta, Sbaile...
- E...?
- Preto gosta de procriar.
- Tô vendo...
- Mas então, você quer ir ao funeral comigo?
- Não, honestamente.
- Vai ser divertido!
- Divertido?
- É! É funeral de preto...
- E...?
- E preto é sempre animado!
- Ah é?
- É. Você vai ver! Depois a gente vai beber em algum lugar com a tia Lakisha e a tia Denise!
- Meu Deus... tá, tá bom.
Toca a Destiny passar na minha casa com uma caminhonete lotada de tias.
- Sbaile! Não acredito que você não está pronta ainda!
- Quê? Tô pronta! Prontíssima.
- De jeans?
- É, ué...
- Não, veste uma saia preta!
- Por quê?
- É funeral... você tem que ir de saia preta.
- Ai Deus... Não raspei a perna.
- Raspa aí rapidinho, vai...
- Caralho, Destiny...
Lá vou eu colocar a maldita saia preta.
No carro, as 678 mil tias que cabiam naquele veículo usavam óculos de sol.
Chegamos ao funeral. Lá estava a pobre tia Rita. Ela devia pesar uns 180 quilos.
- Destiny! Ow... Destiny!
- Que é, Sbaile?
- Por que todo mundo tá de óculos de sol?
- Ah, porque a gente é preto...
- Essa é sua resposta pra tudo agora?
- Sbaile... Você não sabe nada sobre pretos...
- Como assim?
- Pretos são assim, ué... óculos de sol em funeral é coisa da gente.
- Mas por quê?
- Eu não sei por que... Só sei que a gente é assim.
- Afff.
Não havia um branco sequer naquele funeral a não ser eu. Todo mundo me olhava como se eu fosse a assassina da tia Rita.
- E você, quem é? – um dos 8 filhos da tia Rita me pergunta.
- Eu era manicure da sua mãe.
- É mesmo?
- É.
Alguns minutos passam.
- Sbaile! Você falou pro Greg que era manicure da tia Rita? – A Destiny pergunta indignada.
- Falei.
- E por que você mentiu?
- Destiny... Você falou que esse funeral ia ser animado. Não tá animado coisa nenhuma. Eu tive que mentir.
- Quê? O que você acabou de falar não faz o menor sentido!
- É que eu sou branca...
- Quê?
- Nós brancos somos assim. Não fazemos sentido.
- Sbaile, a tia Rita só ia em salão de preto. Ele sacou que você tava mentindo...
- E daí, Destiny?
- E daí que o primo Greg é...
Hora do discurso.
E não é que o primo Greg me sobe no palquinho pra falar sobre a tia Rita! De óculos escuro e vestindo preto... Senhoras e senhores: o primo Greg!
- Senhoras e senhores aqui presentes, hoje é o dia do funeral da minha mãe, Sra. Rita Golden, que já foi dona de uma casa de jogatina...
- Olha a tia Rita... pecadora... – Eu falo no ouvido da Destiny.
- Sbaile, chega!
- ...Mas que foi salva pelo Senhor!
Ah não!
- Senhoras e senhores: esta mulher que já foi alcoólatra, que já foi viciada em jogo, que já foi pecadora carnal... Hoje descansa na paz do Senhor, porque ela genuinamente aceitou o sangue de Cristo...
- Amem! – alguém de saia preta e óculos de sol grita.
- ... Mas eu não estou aqui pra falar da minha mãe...
Ha! Não? Que discurso original para um velório.
- ...Não! Estou aqui para falar da salvação de Cristo! Porque eu, assim como minha mãe, fui salvo pelo Senhor. Um homem bateu na minha porta num certo domingo, ele me perguntou: “Você é Greg Golden?” “Sim, eu sou o Greg Golden” – eu falei. Tia Verônica estava comigo naquela momento. Não é verdade, tia Verônica?
- Sim, é verdade! – Ela grita.
- ...Ela estava comigo. Porque o Senhor sempre tem uma testemunha! E o homem que bateu na minha porta caiu no chão ao ouvir meu nome. Eu pensei que ele tivesse caído de morto. Não é verdade tia Verônica?
- Sim!
- Porque o Senhor sempre tem uma testemunha! Mas ele não estava morto, ele estava lá para me salvar. E eu fui salvo. Na semana seguinte, eu fui à Igreja e o pastor falou meu nome no meio do sermão. Primo Justin estava comigo. Não é verdade, primo?
- É!
- Porque o Senhor sempre tem uma testemunha! E dessa vez, fui eu que caí no chão, porque fui atacado pelo raio divino da salvação. É ou não é, Justin?
- É!
- Porque o Senhor sempre tem uma testemunha! E naquele momento eu entendi o sentido da vida. Voltei pra casa, nunca mais bebi. Minha mulher sabe. Sabe ou não sabe, Vivian?
- Sei!
- Porque o Senhor sempre tem uma testemunha!
PUTA QUE O PARIU!
E dalí pra frente, o discurso foi ficando cada vez mais absurdo.
- Destiny, preto ou não preto... isso é ridículo!
- Eu sei, Sbaile... Eu sei. Essa é a parte divertida.
- Sério? Essa é a parte divertida? Puta merda, Destiny, sua completa vaca...
- Shhh! Eu não posso rir.
- Rir? O que tem aqui pra rir? Não é pra rir, eu tô puta com você!
- PORQUE O SENHOR SEMPRE TEM UMA TESTEMUNHA!
E o discurso acabou assim. Ha! Quem diria, huh?
Dei uma última olhada na tia Rita e falei com ela: “Tia Rita, aonde quer que você esteja, você está melhor que a gente aqui!”
Antes de eu finalmente sair daquela capelinha patrocinadora da Oakley, primo Greg voltou a falar comigo:
- Você acha que o Senhor aprova suas gracinhas?
- Me desculpe, primo Greg. Não sei por que menti pra você. É que eu não tinha sido salva até o dia de hoje. Não é verdade, Destiny?
- É, é verdade.
- Porque o Senhor sempre tem uma testemunha. É ou não é, primo Greg?
Pela banalização da buceta, já!
- BUCETA! – Eu grito ao derrubar uma garrafa de cerveja no tapete novo.
Silêncio.
Na minha casa estavam o Al, o Sam, o Gabriel e o meu marido, o Mike. Os quatro me olhavam como se eu tivesse tido um aborto ali, naquela hora, na frente deles.
Mais silêncio.
- Credo! O que foi? – pergunto eu.
- Você falou “buceta”... – o Mike fala em tom baixo.
- É. Buceta. E daí?
- A “buceta” é reservada para momentos de putidão extrema, Sbaile. – Gabriel.
- Não, não é.
- É sim, Sbaile. – Al.
Vocês vejam a minha situação: estou eu, cercada por quatro marmanjos chocados ao ouvirem “buceta”. Eu já havia descoberto, há alguns anos atrás, o poder da buceta; mas com o tempo fui banalizando-o sem perceber.
O caralho, o cacete, a porra, o filho da puta (e a puta que o pariu), o viado e a merda podem ser usados na maioria das situações casuais. A puta até se junta com a merda e vira “puta merda”. O caralho faz um retorno e se transforma em caralho a quatro. O cacete ganhou tanta moral que agora é sinônimo de coisa boa... se é do cacete, é foda (Ha, ia quase me esquecendo da foda). Agora, a porra da merda do caralho da coitada da buceta nunca teve uma chance!
A buceta é o tabu entre os palavrões. Só é aceita em ocasiões especiais. Por quê? Eu vos pergunto. Por quê?
A resposta é indeterminada. Só o que sei é que a exclusão da buceta do clube dos palavrões não pertence só a língua portuguesa. Não, não senhor! Em inglês, “buceta”, conhecida como a poderosa “cunt”, tem a mesma capacidade de chocar.
Seria isto machismo?
Eu penso que a buceta, meus caros, é uma coisa fantástica: um buraco escuro e úmido, habitado por milhares de fungos e bactérias. A buceta sangra por uma semana sem parar todo mês e, ainda sim, a mulher não morre! Vejam que incrível! Mas, mais que tudo, todos nós viemos de uma buceta (a não ser aqueles que foram atendidos por um médico preguiçoso que resolveu fazer cesariana).
E quantos relacionamentos já não foram destruídos por uma buceta qualquer que nem valia tudo isso? Quantos divórcios se devem a falta ou ao uso excessivo de bucetas aleatórias?
A buceta foi um dos pontos cruciais dos estudos de Freud, da derrota política de Bill Clinton e da prisão de Roman Polanski! Estamos falando de bucetas que fizeram história e vocês reparem que os três citados acima são homens!
Não que eu queira tirar os créditos do caralho, do cacete, do viado e da porra (não da puta ou da foda, pois estas precisam da buceta pra existir); mas é que eu não concordo com as regras sociais que levam à limitação da buceta como forma de expressão ao emputecimento casual. É simplesmente ridículo!
Por isso, leitores do primeiro e do terceiro mundo, eu sou pró banalização da buceta já!
Claro que dei este mesmo discurso aos machos que me cercavam naquele momento, pasmos diante de uma buceta tão crua, vinda do nada, enlouquecida por uma cerveja derrubada no tapete.
Os meninos olharam pra mim e continuaram em silêncio. Sem entender. Foi então que eu aprendi a lição do dia: não há cacete, caralho, porra, viado ou filho da puta que entenda a “buceta”!
Mas eu estou aqui para vos dizer: a buceta não é algo que se entende, mas que se expressa. Portanto, bucetas do meu network, expressai-vos já!
PS – Minhas sinceras desculpas ao cú e seus admiradores. Entendo que o cú é uma palavra importante, mas não crucial, no repertório de palavrões da língua portuguesa. Infelizmente, ao escrever este texto, só consegui relacionar o cú à merda e ao viado - o que achei um pouco forte e, possivelmente, preconceituoso demais (para o entendimento de alguns) para um e-mail entre amigos.
Silêncio.
Na minha casa estavam o Al, o Sam, o Gabriel e o meu marido, o Mike. Os quatro me olhavam como se eu tivesse tido um aborto ali, naquela hora, na frente deles.
Mais silêncio.
- Credo! O que foi? – pergunto eu.
- Você falou “buceta”... – o Mike fala em tom baixo.
- É. Buceta. E daí?
- A “buceta” é reservada para momentos de putidão extrema, Sbaile. – Gabriel.
- Não, não é.
- É sim, Sbaile. – Al.
Vocês vejam a minha situação: estou eu, cercada por quatro marmanjos chocados ao ouvirem “buceta”. Eu já havia descoberto, há alguns anos atrás, o poder da buceta; mas com o tempo fui banalizando-o sem perceber.
O caralho, o cacete, a porra, o filho da puta (e a puta que o pariu), o viado e a merda podem ser usados na maioria das situações casuais. A puta até se junta com a merda e vira “puta merda”. O caralho faz um retorno e se transforma em caralho a quatro. O cacete ganhou tanta moral que agora é sinônimo de coisa boa... se é do cacete, é foda (Ha, ia quase me esquecendo da foda). Agora, a porra da merda do caralho da coitada da buceta nunca teve uma chance!
A buceta é o tabu entre os palavrões. Só é aceita em ocasiões especiais. Por quê? Eu vos pergunto. Por quê?
A resposta é indeterminada. Só o que sei é que a exclusão da buceta do clube dos palavrões não pertence só a língua portuguesa. Não, não senhor! Em inglês, “buceta”, conhecida como a poderosa “cunt”, tem a mesma capacidade de chocar.
Seria isto machismo?
Eu penso que a buceta, meus caros, é uma coisa fantástica: um buraco escuro e úmido, habitado por milhares de fungos e bactérias. A buceta sangra por uma semana sem parar todo mês e, ainda sim, a mulher não morre! Vejam que incrível! Mas, mais que tudo, todos nós viemos de uma buceta (a não ser aqueles que foram atendidos por um médico preguiçoso que resolveu fazer cesariana).
E quantos relacionamentos já não foram destruídos por uma buceta qualquer que nem valia tudo isso? Quantos divórcios se devem a falta ou ao uso excessivo de bucetas aleatórias?
A buceta foi um dos pontos cruciais dos estudos de Freud, da derrota política de Bill Clinton e da prisão de Roman Polanski! Estamos falando de bucetas que fizeram história e vocês reparem que os três citados acima são homens!
Não que eu queira tirar os créditos do caralho, do cacete, do viado e da porra (não da puta ou da foda, pois estas precisam da buceta pra existir); mas é que eu não concordo com as regras sociais que levam à limitação da buceta como forma de expressão ao emputecimento casual. É simplesmente ridículo!
Por isso, leitores do primeiro e do terceiro mundo, eu sou pró banalização da buceta já!
Claro que dei este mesmo discurso aos machos que me cercavam naquele momento, pasmos diante de uma buceta tão crua, vinda do nada, enlouquecida por uma cerveja derrubada no tapete.
Os meninos olharam pra mim e continuaram em silêncio. Sem entender. Foi então que eu aprendi a lição do dia: não há cacete, caralho, porra, viado ou filho da puta que entenda a “buceta”!
Mas eu estou aqui para vos dizer: a buceta não é algo que se entende, mas que se expressa. Portanto, bucetas do meu network, expressai-vos já!
PS – Minhas sinceras desculpas ao cú e seus admiradores. Entendo que o cú é uma palavra importante, mas não crucial, no repertório de palavrões da língua portuguesa. Infelizmente, ao escrever este texto, só consegui relacionar o cú à merda e ao viado - o que achei um pouco forte e, possivelmente, preconceituoso demais (para o entendimento de alguns) para um e-mail entre amigos.
A visita de Ling
Cheguei à Florida. Loiras. Silicone. Cubanos. Velhos. Shoppings. Basicamente, isso.
Entro no messenger. Ling me chama pra conversar.
Ling?
Ling. Nunca vi na vida. Conheci num fórum de viajantes. É de Singapura.
- Sbaile, você está em West Palm?
- Sim.
- Chego em Miami amanhã. Vai me buscar no aeroporto?
- Como?
- É! Estou em Montana, sabe? Perto do Canadá. Minha primeira volta ao mundo!
- Vai passar por aqui na segunda e terceira também?
- Há-há! É sério! Não é demais?
- Uhuuu, yeah, yeah. E aonde vai ficar em Miami?
- Não vou ficar lá, vou ficar na sua casa!
- Quê?
- Não sou bem vinda?
- Não... Digo... Ling, eu não tenho casa!
- Sbaile, você está sempre viajando, sabe como os hotéis são caros. E eu, eu fico em qualquer lugar, pode me colocar pra dormir no chão, no sofá, eu não me importo! Por favor.
- Que horas você chega em Miami?
- Cinco e meia da manhã.
- Puta que o pariu! Caralho, Ling!
- Sbaile...
- Tá bom, tá bom. Eu vou, eu vou. Manda uma foto, não lembro mais do seu rosto.
- Sou de Singapura, devo ser a única asiática lá.
- Deve ser a única pessoa lá às cinco e meia da manhã! Quem diabos pega um caralho de um puto de um vôo para as cinco e meia da porra da manhã?
- Vôos noturnos, são mais baratos.
- Tá. Combinado. Apareço lá.
Toca eu acordar às três da matina e dirigir uma hora e quinze minutos pra chegar ao aeroporto. Lá estava ela, toda sorridente.
Existiam vários detalhes sórdidos sobre a Ling, e eu só descobriria mais tarde. Mas um, em especial, já me incomodava bastante. Neste fórum, o username dela é Slutty Bunny. Eu tinha acordado às três da manhã, viajado até Miami para pegar a Putinha Gata da internet. E, acreditem ou não, minhas intenções eram as mais genuínas.
Como toda Putinha Gata de internet, a Ling não é gata. Previsível.
- Sbaile, minha querida! Obrigada por vir até aqui. Isso foi demais! Nem sei como agradecer.
- Tá tranqüilo, Ling. Entra aí no carro.
- Estou tão feliz por finalmente ter te conhecido!
- Tem piscina em casa. Gosta de nadar?
- Adoro!
- Que bom. É tudo o que vai fazer enquanto estiver comigo.
- Não tem mais nada pra fazer?
- Não.
- Como não?
- Essa cidade é cheia de velhos, Ling. Sei lá, de repente tem uns clubes de xadrez da terceira idade por aí, uns grupos de ajuda para generais aposentados após perderem membros no Vietnã. Eu não sei. Só sei que todo o entretenimento nessa droga é voltado para os velhotes.
- E por que você veio pra cá?
- Eu estudo aqui, Ling. A pergunta é: por que você veio pra cá?
- Pra te ver, Sbaile!
- Ah, não precisava. – Nunca essa frase saiu da minha boca num tom tão verdadeiro.
A coisa curiosa de receber uma visita é que a maioria das pessoas pensa "Putz, fodeu! Vou ter que agüentar essa pessoa na minha casa!". O que é um pouco deprimente para ambos os lados.
No meu caso com a Ling, meu nível de estresse estava tão alto, que resolvi mudar de lado com ela. Agora, ela que me agüentasse.
- Ling... Deixa eu te perguntar uma coisa.
- Sim.
- Qual é o sentido da vida?
- Não faço a mínima idéia.
- Como não?
- Sei lá. Estamos todos aqui, deve ter alguma razão. Mas como eu vou saber? Você deveria perguntar isso a um filósofo, sei lá.
- Não, Ling. Todos os bons filósofos morreram. Perdi minhas chances. Quero saber qual é o sentido da sua vida.
- E por que quer saber isso?
- Curiosidade.
- Eu estou na minha primeira volta ao mundo. Quero viajar. Sempre quis. Acho que o ser - humano é um animal fascinante, por isso gosto de conhecer pessoas e me relacionar com elas em contextos diferentes, lugares diferentes. Estar aqui com uma brasileira na Flórida é diferente de estar com você na Índia, por exemplo. O ambiente muda, o cenário muda, as pessoas mudam.
- O sentido da sua vida é viajar, então?
- É. Acho que sim.
- E essa é sua contribuição para a humanidade?
- Melhor que ser bancária.
- É. Faz algum sentido. E como você arruma grana pra viajar?
- Me casei com um milionário.
- De Singapura?
- Não, Suécia.
- E por que ele não veio com você?
- Tem que trabalhar.
- Para pagar a sua viagem, suponho.
- Aliás, como você faz pra pagar a faculdade?
- Não me casei.
- Como assim?
- Se tivesse me casado, teria que dividir água, luz, telefone, ração do gato, aluguel. Não sobraria nada pra faculdade.
- Não se você tivesse se casado com um rico.
- Nunca conheci um homem rico, eu acho. Nem um pobre que quisesse se casar comigo. Resolvi arrumar um emprego.
- Faz bem. Às vezes o preço da dependência financeira é alto demais.
- Seu rico é muito feio?
- Não, mas às vezes eu quero sair com os amigos e ele me quer lá, fazendo chá pra ele.
- Puta merda, Ling. Me manda pra esse seu rico agora. Eu vou fazer tanto chá pra esse desgraçado que ele vai mijar a cada dez minutos! Caralho, mulher! Fazer chá? É um preço bem razoável, você não acha?
- Queria mais liberdade, só isso.
- Se casou pelo dinheiro?
- Não. Sempre tive dinheiro. Me casei por amor. Mas sabe, Sbaile... Abrir o vidro do seu carro embaixo do sol da Flórida e colocar a cabeça pra fora como se eu fosse um cachorrinho de madame, poder gritar pela janela aqui, conhecer pessoas novas... Isso não tem preço.
- Tem sim, Ling. Se você trabalhasse, saberia quanto as passagens estão custando.
- Você me parece muito preocupada com as coisas.
- Sou judia e financeiramente fodida.
- E isso explica o quê?
- Que fui criada para me sentir culpada cada vez que gasto dinheiro. E para odiar os homens, mas esse é um outro assunto.
- Você odeia os homens?
- Não, sou livre de preconceitos. Odeio todos por igual, ambos os sexos.
- Então por que você não coloca a cabeça pra fora do carro e grita: "Malditos! Morram, filhos da puta!"
- Porque não estou bêbada.
Ela coloca a cabeça pra fora da janela e grita alguma coisa em chinês que termina em inglês: ...you bloody mother fuckers!
- VIADOS DE MERDA, YOUR LIVES MAKE NO SENSE!
- WE'RE ROTTING, TO STOP DYING, KILL YOUR FUCKING SELVES!
Alguém buzina.
- Shut up, bitches!
- FUCK OFF AND DIE, BASTARD!
- I BET YOU'RE SEXUALLY COLD, YOU STUPID FAGGOT!
- Tá vendo, Sbaile? Esse é o sentido da vida. O sentido é que nada faz qualquer sentido, e, se nada faz sentido mesmo, a gente manda essa porra toda à casa do caralho e faz o que quiser!
- Sabe o que me incomoda na Flórida?
- Que nenhuma banda boa vem pra cá?
- Isso também. Mas tem uma coisa que me deixa mais puta.
- Fala logo!
- O planejamento físico.
- Quê?
- É um complô, Ling!
- Sbaile... Você realmente se preocupa com o sentido da vida e com o planejamento físico da Flórida? Meu Deus!
- Veja só: qualquer bairro residencial fica a pelo menos dez minutos de carro do bar mais próximo. O que significa quase uma hora andando. Por isso todos vão aos bares de carro.
- Todos vão a todos os lugares de carro. Você vai falar de aquecimento global?
- Não, não...
- Guerra pelo petróleo?
- Caralho, chinesa! Me deixa terminar!
- Vá à merda! Eu não sou uma maldita chinesa!
- Fodam-se os chinas do caralho e todas essas brigas asiáticas! Vocês todos comem cachorro mesmo. Essa não é a questão. A questão é: eu não posso dirigir bêbada! Como alguém espera que eu vá e volte de um bar dirigindo se não posso dirigir quando bebo? Vê? É impossível ficar bêbado na Flórida!
- E se alguém for dirigindo pra você?
- Aí essa pessoa não vai beber e eu não confio em pessoas que não bebem.
- E você está preocupada com isso?
- Tem me atormentado os dias.
- Espera aí... Você não está legalmente autorizada a beber. Você tem vinte anos.
- Isso faz de mim uma criminosa. Mas já me acostumei com a idéia de vida do crime nos Estados Unidos. Tudo é crime nessa merda.
- Você tem cometido vários?
- Alguns. Tipo, esse lance da idade: falsidade ideológica. Dirigir bêbada: pelo menos três vezes por semana. E por último, e mais bizarro: trabalho ilegal.
- Você está ilegal aqui?
- Não. Estou com visto de estudante.
- E por que trabalha ilegalmente, então?
- Aí entra a parte bizarra: trabalhar é crime neste país! Eles estão me negando o direito ao trabalho, Ling! Vê se pode! Quando trabalhar é considerado um crime, o melhor piloto da fórmula 1 é negro e o rapper mais famoso do mundo é branco, você percebe que esse mundo tá indo mesmo pro saco.
- Que merda!
- Quando eu for presa, sabe o que vão dizer?
- O quê?
- Mulher, latino-americana, com sobrenome libanês, judia... Claro que é criminosa! Ling, olhando pra mim, você está vendo o sub do sub.
- Ainda sim, é melhor que ser bancária.
- Existe algo pior que ser bancária?
- Dentista. Você tem que estudar cinco anos antes de trabalhar pro resto da vida sendo dentista.
- Malditos dentistas.
- Sabe... Esse lance de leis. Em Singapura tem uma lei que eu nunca consegui entender.
- Diga lá.
- É proibido fazer sexo oral se não houver sexo vaginal em seguida.
- E como a polícia controla isso? Câmeras monitoram os casais no motel e quando o cara goza no oral os agentes entram quebrando as janelas e dizendo "Senhor, agora você terá que comer essa mulher nem que seja de pau mole."?
- Não. Aparece uma mensagem na tela da TV dizendo "Na boca é sacanagem, cara!".
Eu me mato de rir. Até choro.
- Quer um cigarro, Ling?
- Não fumo. Obrigada.
- Bebe?
- Sim, sim.
- Vamos no Lewis', então.
- São seis da manhã, Sbaile!
- Fica a quarenta minutos daqui. Serão quase sete quando chegarmos lá.
- Tá bom, então.
Entro no messenger. Ling me chama pra conversar.
Ling?
Ling. Nunca vi na vida. Conheci num fórum de viajantes. É de Singapura.
- Sbaile, você está em West Palm?
- Sim.
- Chego em Miami amanhã. Vai me buscar no aeroporto?
- Como?
- É! Estou em Montana, sabe? Perto do Canadá. Minha primeira volta ao mundo!
- Vai passar por aqui na segunda e terceira também?
- Há-há! É sério! Não é demais?
- Uhuuu, yeah, yeah. E aonde vai ficar em Miami?
- Não vou ficar lá, vou ficar na sua casa!
- Quê?
- Não sou bem vinda?
- Não... Digo... Ling, eu não tenho casa!
- Sbaile, você está sempre viajando, sabe como os hotéis são caros. E eu, eu fico em qualquer lugar, pode me colocar pra dormir no chão, no sofá, eu não me importo! Por favor.
- Que horas você chega em Miami?
- Cinco e meia da manhã.
- Puta que o pariu! Caralho, Ling!
- Sbaile...
- Tá bom, tá bom. Eu vou, eu vou. Manda uma foto, não lembro mais do seu rosto.
- Sou de Singapura, devo ser a única asiática lá.
- Deve ser a única pessoa lá às cinco e meia da manhã! Quem diabos pega um caralho de um puto de um vôo para as cinco e meia da porra da manhã?
- Vôos noturnos, são mais baratos.
- Tá. Combinado. Apareço lá.
Toca eu acordar às três da matina e dirigir uma hora e quinze minutos pra chegar ao aeroporto. Lá estava ela, toda sorridente.
Existiam vários detalhes sórdidos sobre a Ling, e eu só descobriria mais tarde. Mas um, em especial, já me incomodava bastante. Neste fórum, o username dela é Slutty Bunny. Eu tinha acordado às três da manhã, viajado até Miami para pegar a Putinha Gata da internet. E, acreditem ou não, minhas intenções eram as mais genuínas.
Como toda Putinha Gata de internet, a Ling não é gata. Previsível.
- Sbaile, minha querida! Obrigada por vir até aqui. Isso foi demais! Nem sei como agradecer.
- Tá tranqüilo, Ling. Entra aí no carro.
- Estou tão feliz por finalmente ter te conhecido!
- Tem piscina em casa. Gosta de nadar?
- Adoro!
- Que bom. É tudo o que vai fazer enquanto estiver comigo.
- Não tem mais nada pra fazer?
- Não.
- Como não?
- Essa cidade é cheia de velhos, Ling. Sei lá, de repente tem uns clubes de xadrez da terceira idade por aí, uns grupos de ajuda para generais aposentados após perderem membros no Vietnã. Eu não sei. Só sei que todo o entretenimento nessa droga é voltado para os velhotes.
- E por que você veio pra cá?
- Eu estudo aqui, Ling. A pergunta é: por que você veio pra cá?
- Pra te ver, Sbaile!
- Ah, não precisava. – Nunca essa frase saiu da minha boca num tom tão verdadeiro.
A coisa curiosa de receber uma visita é que a maioria das pessoas pensa "Putz, fodeu! Vou ter que agüentar essa pessoa na minha casa!". O que é um pouco deprimente para ambos os lados.
No meu caso com a Ling, meu nível de estresse estava tão alto, que resolvi mudar de lado com ela. Agora, ela que me agüentasse.
- Ling... Deixa eu te perguntar uma coisa.
- Sim.
- Qual é o sentido da vida?
- Não faço a mínima idéia.
- Como não?
- Sei lá. Estamos todos aqui, deve ter alguma razão. Mas como eu vou saber? Você deveria perguntar isso a um filósofo, sei lá.
- Não, Ling. Todos os bons filósofos morreram. Perdi minhas chances. Quero saber qual é o sentido da sua vida.
- E por que quer saber isso?
- Curiosidade.
- Eu estou na minha primeira volta ao mundo. Quero viajar. Sempre quis. Acho que o ser - humano é um animal fascinante, por isso gosto de conhecer pessoas e me relacionar com elas em contextos diferentes, lugares diferentes. Estar aqui com uma brasileira na Flórida é diferente de estar com você na Índia, por exemplo. O ambiente muda, o cenário muda, as pessoas mudam.
- O sentido da sua vida é viajar, então?
- É. Acho que sim.
- E essa é sua contribuição para a humanidade?
- Melhor que ser bancária.
- É. Faz algum sentido. E como você arruma grana pra viajar?
- Me casei com um milionário.
- De Singapura?
- Não, Suécia.
- E por que ele não veio com você?
- Tem que trabalhar.
- Para pagar a sua viagem, suponho.
- Aliás, como você faz pra pagar a faculdade?
- Não me casei.
- Como assim?
- Se tivesse me casado, teria que dividir água, luz, telefone, ração do gato, aluguel. Não sobraria nada pra faculdade.
- Não se você tivesse se casado com um rico.
- Nunca conheci um homem rico, eu acho. Nem um pobre que quisesse se casar comigo. Resolvi arrumar um emprego.
- Faz bem. Às vezes o preço da dependência financeira é alto demais.
- Seu rico é muito feio?
- Não, mas às vezes eu quero sair com os amigos e ele me quer lá, fazendo chá pra ele.
- Puta merda, Ling. Me manda pra esse seu rico agora. Eu vou fazer tanto chá pra esse desgraçado que ele vai mijar a cada dez minutos! Caralho, mulher! Fazer chá? É um preço bem razoável, você não acha?
- Queria mais liberdade, só isso.
- Se casou pelo dinheiro?
- Não. Sempre tive dinheiro. Me casei por amor. Mas sabe, Sbaile... Abrir o vidro do seu carro embaixo do sol da Flórida e colocar a cabeça pra fora como se eu fosse um cachorrinho de madame, poder gritar pela janela aqui, conhecer pessoas novas... Isso não tem preço.
- Tem sim, Ling. Se você trabalhasse, saberia quanto as passagens estão custando.
- Você me parece muito preocupada com as coisas.
- Sou judia e financeiramente fodida.
- E isso explica o quê?
- Que fui criada para me sentir culpada cada vez que gasto dinheiro. E para odiar os homens, mas esse é um outro assunto.
- Você odeia os homens?
- Não, sou livre de preconceitos. Odeio todos por igual, ambos os sexos.
- Então por que você não coloca a cabeça pra fora do carro e grita: "Malditos! Morram, filhos da puta!"
- Porque não estou bêbada.
Ela coloca a cabeça pra fora da janela e grita alguma coisa em chinês que termina em inglês: ...you bloody mother fuckers!
- VIADOS DE MERDA, YOUR LIVES MAKE NO SENSE!
- WE'RE ROTTING, TO STOP DYING, KILL YOUR FUCKING SELVES!
Alguém buzina.
- Shut up, bitches!
- FUCK OFF AND DIE, BASTARD!
- I BET YOU'RE SEXUALLY COLD, YOU STUPID FAGGOT!
- Tá vendo, Sbaile? Esse é o sentido da vida. O sentido é que nada faz qualquer sentido, e, se nada faz sentido mesmo, a gente manda essa porra toda à casa do caralho e faz o que quiser!
- Sabe o que me incomoda na Flórida?
- Que nenhuma banda boa vem pra cá?
- Isso também. Mas tem uma coisa que me deixa mais puta.
- Fala logo!
- O planejamento físico.
- Quê?
- É um complô, Ling!
- Sbaile... Você realmente se preocupa com o sentido da vida e com o planejamento físico da Flórida? Meu Deus!
- Veja só: qualquer bairro residencial fica a pelo menos dez minutos de carro do bar mais próximo. O que significa quase uma hora andando. Por isso todos vão aos bares de carro.
- Todos vão a todos os lugares de carro. Você vai falar de aquecimento global?
- Não, não...
- Guerra pelo petróleo?
- Caralho, chinesa! Me deixa terminar!
- Vá à merda! Eu não sou uma maldita chinesa!
- Fodam-se os chinas do caralho e todas essas brigas asiáticas! Vocês todos comem cachorro mesmo. Essa não é a questão. A questão é: eu não posso dirigir bêbada! Como alguém espera que eu vá e volte de um bar dirigindo se não posso dirigir quando bebo? Vê? É impossível ficar bêbado na Flórida!
- E se alguém for dirigindo pra você?
- Aí essa pessoa não vai beber e eu não confio em pessoas que não bebem.
- E você está preocupada com isso?
- Tem me atormentado os dias.
- Espera aí... Você não está legalmente autorizada a beber. Você tem vinte anos.
- Isso faz de mim uma criminosa. Mas já me acostumei com a idéia de vida do crime nos Estados Unidos. Tudo é crime nessa merda.
- Você tem cometido vários?
- Alguns. Tipo, esse lance da idade: falsidade ideológica. Dirigir bêbada: pelo menos três vezes por semana. E por último, e mais bizarro: trabalho ilegal.
- Você está ilegal aqui?
- Não. Estou com visto de estudante.
- E por que trabalha ilegalmente, então?
- Aí entra a parte bizarra: trabalhar é crime neste país! Eles estão me negando o direito ao trabalho, Ling! Vê se pode! Quando trabalhar é considerado um crime, o melhor piloto da fórmula 1 é negro e o rapper mais famoso do mundo é branco, você percebe que esse mundo tá indo mesmo pro saco.
- Que merda!
- Quando eu for presa, sabe o que vão dizer?
- O quê?
- Mulher, latino-americana, com sobrenome libanês, judia... Claro que é criminosa! Ling, olhando pra mim, você está vendo o sub do sub.
- Ainda sim, é melhor que ser bancária.
- Existe algo pior que ser bancária?
- Dentista. Você tem que estudar cinco anos antes de trabalhar pro resto da vida sendo dentista.
- Malditos dentistas.
- Sabe... Esse lance de leis. Em Singapura tem uma lei que eu nunca consegui entender.
- Diga lá.
- É proibido fazer sexo oral se não houver sexo vaginal em seguida.
- E como a polícia controla isso? Câmeras monitoram os casais no motel e quando o cara goza no oral os agentes entram quebrando as janelas e dizendo "Senhor, agora você terá que comer essa mulher nem que seja de pau mole."?
- Não. Aparece uma mensagem na tela da TV dizendo "Na boca é sacanagem, cara!".
Eu me mato de rir. Até choro.
- Quer um cigarro, Ling?
- Não fumo. Obrigada.
- Bebe?
- Sim, sim.
- Vamos no Lewis', então.
- São seis da manhã, Sbaile!
- Fica a quarenta minutos daqui. Serão quase sete quando chegarmos lá.
- Tá bom, então.
A Peculiar Madri
A chegada a um outro país é sempre motivo de excitação, seja esta boa ou ruim, excitação nem sempre é uma coisa boa, geralmente é, porque é também sinônimo de entusiasmo, no entanto, naquele dia, me dava um pouco de medo também; medo sim, porque eu havia programado uma viagem de dois meses e acabava de chegar a um lugar muito longe de casa: Madri, Espanha.
Eu finalmente podia acender um cigarro. O funcionário da imigração olhou para a minha cara de latino-americana fumante, me viu tirar o maço do bolso. Eu perguntei pra ele se precisava passar por alguma entrevista, ou algo do tipo, ele sorriu com aquela cara de latino-europeu fumante e disse: “Você está livre agora”. Nada poderia me causar mais alívio.
Saí do aeroporto.
Cigarro.
Sentei com a mala em um banquinho, não estava tão frio. Naquele momento eu só precisava fumar oito cigarros, encontrar o papel amassado com o endereço do albergue, pegar o metrô e chagar lá. Definitivamente aliviador – se é que essa palavra existe.
Aquela filha da puta daquela mochila estava muito pesada. Cacete! Era um peso desgraçado e eu sentia meus ombros rasgando. Meu coraçãozinho latino-americano se encheu de alegria ao ver a porta do albergue.
Check in.
“Brasileira, huh?” – disse o recepcionista.
“Espanhol, huh?” – eu respondi.
“Aonde eu posso comer alguma coisa?”
“Fala com o Adrián, ele cuida da cozinha.”
“Você é o Adrián?”
“Sou eu.”
“Je.... a Paris... Ooh la la! Oui... No...” – escutei.
“Française?” – perguntou o Adrián à menina francesa que, como muitos franceses, só falava Francês.
Eles depararam a falar em Francês. Caralho. Comida, porra!
“Ô Adrianzão, meu chapa..”
“Oh pardon!”
“No, je ne parle pas Français... Cê é francês?”
“Não, basco.”
Óbvio, ele não podia ser Francês. O Adrián era careca, lembrava um pouco o Barthez, mas tinha olhos azuis e olheiras bem demarcadas. Não tinha sobrancelhas ou barba. Uma mistura de Barthez com Collina talvez, mas mais novo que ambos, suponho eu, aquela mistura de bola de boliche com cabeça de lâmpada, porque ele era assim... Um tanto lustroso, magro no entanto; também bem narigudo e bem antipático, um pouco grosseiro na verdade. Não. Talvez nem grosseiro, nem antipático, só esnobe – neste caso, ele poderia ser Francês sim, mas enfim, era basco.
E aonde os bascos nascem? Eles precisam nascer nos países bascos para serem bascos? Ou basco é tipo Judeu – você pode encontrar um em qualquer lugar e eles se reconhecem entre eles mesmo uns sendo morenos e outros loiros? Eu, na verdade, não sei bem o que é um basco, só sei que eles existem, tipo os curdos. Mas o Manu Chao é basco e eu sei disso, e ele não parece nem com o Barthez, nem com o Collina, nem com o Adrián, e ele nem é espanhol, é francês, ou seria simplesmente basco? Tipo, um "citzen of the world"? Esse lance dos Bascos é complicado...
“Basco? Ah, eu conheço um basco!”
“Sério? De onde?”
“Ah, de CDs. O Manu Chao. Ele é basco, não é?”
Sorriso.
“Sim! Você gosta dele?”
“Claro, adoro os bascos!”
“Que ótimo!... Hey, espera um minuto!”
Putz, fome! Muita fome!
Opa! “Clandestino”, isso é Manu Chao!
O Adrián vinha meio pulando, meio andando e até meio cantarolando e, impressionantemente, simpaticamente sorrindo.
“Vê? Manu Chao!”
“Que ótimo! Manu Chao”.
Yeah! Desbanquei a francesa na difícil saga pela comida no albergue.
Comi. Ufa!
Depois do papo sobre o Manu Chao, o Adrián virou brother, me deu até um café a mais no dia seguinte, na hora do café da manhã. Legal!
Obviamente eu fiquei pensando sobre o que é ser um basco, mas não podia perguntar isso a ele, então peguei um mapa no albergue e tentei achar os países bascos, mas eles não estavam lá. Os países bascos são vários países ou é um país só chamado “Países Bascos”? Antes de entrar em crise existencial por me achar um ser ignorante e prepotente, fui ao wikipedia e lá encontrei informações sobre os bascos.
Alívio.
Não dormi, ainda eram seis da tarde. Eu e minha companheira de viagem, a Malu, resolvemos sair para ver o que é que o Madrilenho tem e fomos em busca das cervejas. Não sei se o mais adequado é beber cerveja na Espanha, mas é de cerveja que eu gosto. Talvez seja algo hereditário.
Meu bisavô cresceu na Alemanha, mas era Iugoslavo (o que significa que hoje, não sei dizer exatamente de onde ele era, já que a Iugoslávia não existe há algum tempo); lembro dele sentado em uma cadeira de balanço, bebendo, quase o dia todo, aí ele ficava bêbado e dormia. E ele só bebia cerveja. Por isso, em casa, todo mundo bebe cerveja. Não temos uma cultura latina, não bebemos vinho, e eu nem sei reconhecer um vinho bom ou um vinho ruim antes da dor de cabeça. Esse bisavô tinha um problema nas bolas, as bolas dele eram enormes e minha avó queria que ele operasse de qualquer maneira, ele nunca quis deixar ninguém mexer nas bolas dele. Morreu disso, das bolas, e não do fígado – como imaginávamos que ele morreria, mas morreu bêbado, em casa, e as bolas dele estavam tão inchadas quanto intocadas, a galera não conseguia achar uma calça que se adequasse ao velho defunto. E, obviamente, os homens da minha família morrem de orgulho disso – gente esquisita.
Ah, voltando à cerveja.
Saímos.
Bebemos.
Tomando o caminho de volta eu já não estava nos meus melhores estados mentais. Vi um Mustang fundido em uma parede; na verdade, só a frente de um Mustang. A Malu me perguntou como eu sabia que aquele carro era um Mustang. Não soube responder, porque apesar de eu não saber o que é um basco ou um iugoslavo, eu sabia o que era um Mustang. E era um Mustang azul calcinha – legal. Era a frente de um bar e tinha uma plaquinha piscando escrito “Karaokê”. Pô, karaokê é legal.
“Vamos aí?”
“Vamos!”
Fumaça. Não dava pra ver os rostos das pessoas direito, e não só porque eu já estava meio bêbada, mas porque não dava mesmo. Era escuro e tinha muita fumaça. Um balcão, uma bartender com mais cara de latino-americana fumante que eu, usava decote, peitudíssima; meu pai acharia que ela gostosa, eu achei um pouco gorda. Maquiada.
Banquinhos de oncinha, zebrinha e tigrinho. Reduto dos quarentões espanhóis.
Um dia na vida você aprende que por mais que você ache que já tenha visto o brega, ainda existe a música pop espanhola – e lá estava ela, no meio da fumaça, dos quarentões, dos banquinhos de oncinha, da bartender peituda e do Pepe. Sim, ele, o Pepe!
O Pepe era espanhol, quarentão, estava no bar e veio falar comigo. Pepe – legal. O Pepe era um pouco gordo, camisa xadrez e cantava música pop espanhola.
“Pepe! É idiota? Você é idiota, Pepe?”
“Mas o que foi agora, Juan?”
“Pô, Pepe! Você sabe que tem que ficar de olho! Eles estão por toda a parte! Não pode ficar bebendo a noite toda, tem que estar sóbrio para vigiar!”
“Tudo bem Juan, você vigia a porta e eu continuo aqui, sem beber.”
“Vou confiar em você!”
E o Juan foi vigiar a porta.
Cinco minutos depois, ele volta com o José.
“Não tem condições! Vocês dois me deixam doido! Não posso fazer todo o serviço sozinho e... E você, quem é?”
“Eu? Ah, eu não sou daqui não, sou brasileira.”
“Brasileira? Eu sou Juan, de Sevilla. Da polícia secreta de Sevilla, mas agora estou aqui em Madri.”
“Ah, sim, sim, claro!”
“Conhece os mouros?”
Calma! Pára tudo! Os bascos já eram complicados o bastante, e ele me vem com os mouros. Um cara, naquele bar, com um amigo chamado Pepe, no meio daquele terrível pop espanhol, da polícia secreta, falando dos Mouros?
“Malu, esse cara existe ou eu preciso ir vomitar?”
“Não precisa, ele existe, mas se quiser uma desculpa pra ir ao banheiro...”
Ottelo era mouro e ele era moreno, acho que os mouros são morenos, mas não negros. Agora não sei se existe mouro negro, porque existe judeu negro, mas não existe basco negro... No entanto, é possível que existam mouros judeus. Puta merda!
Wikipediaaa!!!
“Mouros?”
“Sim, os mouros! E os bascos...”
“Ah, os bascos! Eu sei quem são os bascos.”- Oba!
“Sabe? Hmmm... Eles explodiram Atocha, e vão explodir de novo! Por isso fui enviado com Pepe e com Jose, estamos vigiando...”
“Vigiando... Os mouros?”
“É! E os bascos! Que vão explodir Madri!”
“Entendo, entendo... Olha, eu conheço um basco.”
“Não me diga!”
“Sim, sim. O Manu Chao. E, pelo que sei, ele vai explodir a Atocha, é um líder Basco, mas você provavelmente já sabe disso.”
É claro que eu não ia entregar o paradeiro do Adrián, mesmo porque, sem o Adrián não tinha cafezinho de graça e nem Manu Chao no saguão do albergue. Além do mais, o paradeiro do Adrián era exatamente o mesmo que o meu, se o Pepe, o José ou o Juan me torturassem, eu ia ter que contar. Já o paradeiro do Manu Chao, ele poderia encontrar na parte de “cultura” do jornal. Entretanto, me arrependi depois, porque sem Manu Chao não teria Manu Chao nem no saguão do albergue, nem em lugar algum.
Ai meu Deus!
Juan permaneceu calado por aproximadamente dez segundos, fiquei com um pouco de medo sobre o que ele poderia fazer comigo, mas ele sorriu, abaixou a cabeça e sorriu de novo. Finalmente, ele olhou bem pra mim e indagou:
“Eu já saquei! Eu saquei tudo. Você também foi enviada pra cá, pra me dar essa grande pista!”
Antes de eu realmente acreditar que era Mata Hari em uma missão secreta e entrar na onda do Juan, perguntei ao Pepe:
“Ele já trabalhou para a polícia? Enlouqueceu na guerra ou alguma coisa do tipo?”
“Ele é amigo de infância, se mudou pra Madri há algum tempo e é carteiro há uns dois anos, antes disso morava com os pais em Toledo”
“Ah sim, entendo...”
Fiquei feliz com a resposta de Pepe, porque na linha tênue entre a sanidade e a embriaguês da minha cabeça de bagre, eu esperava uma resposta como: “Sim, somos parceiros, agora pare de beber e vamos vigiar, porque eles vão explodir Atocha!”
Eu finalmente podia acender um cigarro. O funcionário da imigração olhou para a minha cara de latino-americana fumante, me viu tirar o maço do bolso. Eu perguntei pra ele se precisava passar por alguma entrevista, ou algo do tipo, ele sorriu com aquela cara de latino-europeu fumante e disse: “Você está livre agora”. Nada poderia me causar mais alívio.
Saí do aeroporto.
Cigarro.
Sentei com a mala em um banquinho, não estava tão frio. Naquele momento eu só precisava fumar oito cigarros, encontrar o papel amassado com o endereço do albergue, pegar o metrô e chagar lá. Definitivamente aliviador – se é que essa palavra existe.
Aquela filha da puta daquela mochila estava muito pesada. Cacete! Era um peso desgraçado e eu sentia meus ombros rasgando. Meu coraçãozinho latino-americano se encheu de alegria ao ver a porta do albergue.
Check in.
“Brasileira, huh?” – disse o recepcionista.
“Espanhol, huh?” – eu respondi.
“Aonde eu posso comer alguma coisa?”
“Fala com o Adrián, ele cuida da cozinha.”
“Você é o Adrián?”
“Sou eu.”
“Je.... a Paris... Ooh la la! Oui... No...” – escutei.
“Française?” – perguntou o Adrián à menina francesa que, como muitos franceses, só falava Francês.
Eles depararam a falar em Francês. Caralho. Comida, porra!
“Ô Adrianzão, meu chapa..”
“Oh pardon!”
“No, je ne parle pas Français... Cê é francês?”
“Não, basco.”
Óbvio, ele não podia ser Francês. O Adrián era careca, lembrava um pouco o Barthez, mas tinha olhos azuis e olheiras bem demarcadas. Não tinha sobrancelhas ou barba. Uma mistura de Barthez com Collina talvez, mas mais novo que ambos, suponho eu, aquela mistura de bola de boliche com cabeça de lâmpada, porque ele era assim... Um tanto lustroso, magro no entanto; também bem narigudo e bem antipático, um pouco grosseiro na verdade. Não. Talvez nem grosseiro, nem antipático, só esnobe – neste caso, ele poderia ser Francês sim, mas enfim, era basco.
E aonde os bascos nascem? Eles precisam nascer nos países bascos para serem bascos? Ou basco é tipo Judeu – você pode encontrar um em qualquer lugar e eles se reconhecem entre eles mesmo uns sendo morenos e outros loiros? Eu, na verdade, não sei bem o que é um basco, só sei que eles existem, tipo os curdos. Mas o Manu Chao é basco e eu sei disso, e ele não parece nem com o Barthez, nem com o Collina, nem com o Adrián, e ele nem é espanhol, é francês, ou seria simplesmente basco? Tipo, um "citzen of the world"? Esse lance dos Bascos é complicado...
“Basco? Ah, eu conheço um basco!”
“Sério? De onde?”
“Ah, de CDs. O Manu Chao. Ele é basco, não é?”
Sorriso.
“Sim! Você gosta dele?”
“Claro, adoro os bascos!”
“Que ótimo!... Hey, espera um minuto!”
Putz, fome! Muita fome!
Opa! “Clandestino”, isso é Manu Chao!
O Adrián vinha meio pulando, meio andando e até meio cantarolando e, impressionantemente, simpaticamente sorrindo.
“Vê? Manu Chao!”
“Que ótimo! Manu Chao”.
Yeah! Desbanquei a francesa na difícil saga pela comida no albergue.
Comi. Ufa!
Depois do papo sobre o Manu Chao, o Adrián virou brother, me deu até um café a mais no dia seguinte, na hora do café da manhã. Legal!
Obviamente eu fiquei pensando sobre o que é ser um basco, mas não podia perguntar isso a ele, então peguei um mapa no albergue e tentei achar os países bascos, mas eles não estavam lá. Os países bascos são vários países ou é um país só chamado “Países Bascos”? Antes de entrar em crise existencial por me achar um ser ignorante e prepotente, fui ao wikipedia e lá encontrei informações sobre os bascos.
Alívio.
Não dormi, ainda eram seis da tarde. Eu e minha companheira de viagem, a Malu, resolvemos sair para ver o que é que o Madrilenho tem e fomos em busca das cervejas. Não sei se o mais adequado é beber cerveja na Espanha, mas é de cerveja que eu gosto. Talvez seja algo hereditário.
Meu bisavô cresceu na Alemanha, mas era Iugoslavo (o que significa que hoje, não sei dizer exatamente de onde ele era, já que a Iugoslávia não existe há algum tempo); lembro dele sentado em uma cadeira de balanço, bebendo, quase o dia todo, aí ele ficava bêbado e dormia. E ele só bebia cerveja. Por isso, em casa, todo mundo bebe cerveja. Não temos uma cultura latina, não bebemos vinho, e eu nem sei reconhecer um vinho bom ou um vinho ruim antes da dor de cabeça. Esse bisavô tinha um problema nas bolas, as bolas dele eram enormes e minha avó queria que ele operasse de qualquer maneira, ele nunca quis deixar ninguém mexer nas bolas dele. Morreu disso, das bolas, e não do fígado – como imaginávamos que ele morreria, mas morreu bêbado, em casa, e as bolas dele estavam tão inchadas quanto intocadas, a galera não conseguia achar uma calça que se adequasse ao velho defunto. E, obviamente, os homens da minha família morrem de orgulho disso – gente esquisita.
Ah, voltando à cerveja.
Saímos.
Bebemos.
Tomando o caminho de volta eu já não estava nos meus melhores estados mentais. Vi um Mustang fundido em uma parede; na verdade, só a frente de um Mustang. A Malu me perguntou como eu sabia que aquele carro era um Mustang. Não soube responder, porque apesar de eu não saber o que é um basco ou um iugoslavo, eu sabia o que era um Mustang. E era um Mustang azul calcinha – legal. Era a frente de um bar e tinha uma plaquinha piscando escrito “Karaokê”. Pô, karaokê é legal.
“Vamos aí?”
“Vamos!”
Fumaça. Não dava pra ver os rostos das pessoas direito, e não só porque eu já estava meio bêbada, mas porque não dava mesmo. Era escuro e tinha muita fumaça. Um balcão, uma bartender com mais cara de latino-americana fumante que eu, usava decote, peitudíssima; meu pai acharia que ela gostosa, eu achei um pouco gorda. Maquiada.
Banquinhos de oncinha, zebrinha e tigrinho. Reduto dos quarentões espanhóis.
Um dia na vida você aprende que por mais que você ache que já tenha visto o brega, ainda existe a música pop espanhola – e lá estava ela, no meio da fumaça, dos quarentões, dos banquinhos de oncinha, da bartender peituda e do Pepe. Sim, ele, o Pepe!
O Pepe era espanhol, quarentão, estava no bar e veio falar comigo. Pepe – legal. O Pepe era um pouco gordo, camisa xadrez e cantava música pop espanhola.
“Pepe! É idiota? Você é idiota, Pepe?”
“Mas o que foi agora, Juan?”
“Pô, Pepe! Você sabe que tem que ficar de olho! Eles estão por toda a parte! Não pode ficar bebendo a noite toda, tem que estar sóbrio para vigiar!”
“Tudo bem Juan, você vigia a porta e eu continuo aqui, sem beber.”
“Vou confiar em você!”
E o Juan foi vigiar a porta.
Cinco minutos depois, ele volta com o José.
“Não tem condições! Vocês dois me deixam doido! Não posso fazer todo o serviço sozinho e... E você, quem é?”
“Eu? Ah, eu não sou daqui não, sou brasileira.”
“Brasileira? Eu sou Juan, de Sevilla. Da polícia secreta de Sevilla, mas agora estou aqui em Madri.”
“Ah, sim, sim, claro!”
“Conhece os mouros?”
Calma! Pára tudo! Os bascos já eram complicados o bastante, e ele me vem com os mouros. Um cara, naquele bar, com um amigo chamado Pepe, no meio daquele terrível pop espanhol, da polícia secreta, falando dos Mouros?
“Malu, esse cara existe ou eu preciso ir vomitar?”
“Não precisa, ele existe, mas se quiser uma desculpa pra ir ao banheiro...”
Ottelo era mouro e ele era moreno, acho que os mouros são morenos, mas não negros. Agora não sei se existe mouro negro, porque existe judeu negro, mas não existe basco negro... No entanto, é possível que existam mouros judeus. Puta merda!
Wikipediaaa!!!
“Mouros?”
“Sim, os mouros! E os bascos...”
“Ah, os bascos! Eu sei quem são os bascos.”- Oba!
“Sabe? Hmmm... Eles explodiram Atocha, e vão explodir de novo! Por isso fui enviado com Pepe e com Jose, estamos vigiando...”
“Vigiando... Os mouros?”
“É! E os bascos! Que vão explodir Madri!”
“Entendo, entendo... Olha, eu conheço um basco.”
“Não me diga!”
“Sim, sim. O Manu Chao. E, pelo que sei, ele vai explodir a Atocha, é um líder Basco, mas você provavelmente já sabe disso.”
É claro que eu não ia entregar o paradeiro do Adrián, mesmo porque, sem o Adrián não tinha cafezinho de graça e nem Manu Chao no saguão do albergue. Além do mais, o paradeiro do Adrián era exatamente o mesmo que o meu, se o Pepe, o José ou o Juan me torturassem, eu ia ter que contar. Já o paradeiro do Manu Chao, ele poderia encontrar na parte de “cultura” do jornal. Entretanto, me arrependi depois, porque sem Manu Chao não teria Manu Chao nem no saguão do albergue, nem em lugar algum.
Ai meu Deus!
Juan permaneceu calado por aproximadamente dez segundos, fiquei com um pouco de medo sobre o que ele poderia fazer comigo, mas ele sorriu, abaixou a cabeça e sorriu de novo. Finalmente, ele olhou bem pra mim e indagou:
“Eu já saquei! Eu saquei tudo. Você também foi enviada pra cá, pra me dar essa grande pista!”
Antes de eu realmente acreditar que era Mata Hari em uma missão secreta e entrar na onda do Juan, perguntei ao Pepe:
“Ele já trabalhou para a polícia? Enlouqueceu na guerra ou alguma coisa do tipo?”
“Ele é amigo de infância, se mudou pra Madri há algum tempo e é carteiro há uns dois anos, antes disso morava com os pais em Toledo”
“Ah sim, entendo...”
Fiquei feliz com a resposta de Pepe, porque na linha tênue entre a sanidade e a embriaguês da minha cabeça de bagre, eu esperava uma resposta como: “Sim, somos parceiros, agora pare de beber e vamos vigiar, porque eles vão explodir Atocha!”
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