Wednesday, March 31, 2010
ENCARANDO ALI
A história do boxe vai muito além do esporte. Em um país segregado, aonde negros eram seres humanos de segunda classe, foi criada a maior linha de lutadores - homens que aprenderam desde cedo que levar porrada é só parte da vida.
Há alguns meses atrás, assisti o documentário sobre Mike Tyson: “Tyson”. De todos os boxeadores históricos, Mike foi o único o qual eu pude acompanhar. Lembro de assistir as lutas com a minha avó. Quem não se recorda ver o pedaço da orelha de Holyfield entre os dentes de Tyson e pensar: “Ah não, Mike! Por que você faz essas coisas?”
Estava ali o fim, já pela segunda vez, da carreira de Tyson – entre os dentes, ensangüentada, a carne do oponente.
Em “Tyson”, o brutamontes mal encarado não assusta; pelo contrário, chora feito criança ao lembrar da infância trágica, da morte do homem branco que fez dele um ídolo, e do infeliz falecimento da filhinha de quatro anos. Não se vê ali um boxeador, mas de fato, um lutador.
No entanto, quando o assunto é boxe, o nome mais fantástico da história há de ser Muhammad Ali. Nascido Cassius Marcellus Clay Jr., o menino preto e pobre da rural Kentucky mudou seu nome para Muhammad Ali, influenciado por uma das figuras mais famosas do movimento negro americano: Malcolm X.
“Clay é meu nome de escravo. O nome da família branca a qual minha família pertencia. Eu não sou um escravo, eu sou um homem.” (Muhammad Ali)
Ontem mesmo, assisti o “Facing Ali”, documentário recente que conta com boxeadores clássicos falando sobre como foi encarar Ali no ringue.
“Boxeador é pobre. Menino rico não toma porrada. Meu pai fez até a terceira série, ele tirava pele de gado. Quebrou o braço uma vez, nunca foi ao médico. Morreu tirando pele de gado, com o braço quebrado, agüentando a dor; enquanto minha mãe depenava frangos: 200 frangos por dia para ganhar um dólar...”
“... Mas foi só quando meu segundo filho se matou que eu perdi o controle, principalmente porque minha mulher não agüentou o baque e, naquela mesma tarde, cometeu suicídio também. Nada se compara a isso.”
(George Chuvalo, ex boxeador canadense, em “Facing Ali”)
“Seu cérebro só agüenta levar uma certa quantidade de pancadas, depois disso sua carreira acaba. Você fica com eternas seqüelas, mas é assim que é o jogo.”
(George Foreman, boxeador americano, em “Facing Ali”)
“Eu era pai solteiro. Às vezes, o máximo que eu podia oferecer ao meu filho era um cachorro quente. A única esperança que eu tinha para poder sustentar meu menino era encarar o Ali e, mais que isso, ganhar aquela luta. Uma luta contra o Ali me proporcionou uma chance na vida, ponto final.”
(Ken Norton, boxeador americano, em “Facing Ali”)
Mas o Ali foi mais que uma máquina de dar e levar socos. Muhammad é um marco na história afro-americana. Menino novo que se recusou a ir ao Vietnã alegando “Nenhum vietnamita me chamou de crioulo, eu não tenho motivos para ir a essa guerra e matar um bando de asiáticos inocentes”.
O governo americano logo retrucou: Muhammad perdeu a licença para boxear. Estava lá a resposta dos Estados Unidos ao medalhista olímpico: “Nós vamos acabar com a sua carreira, negão!”
Ali não se deixou abalar. Ele não estava indo à guerra e ponto, e fim! Um dos atos ideológicos mais lindos da história é dele: Muhammad Ali.
“Facing Ali” não é sobre boxe, sobre esportes ou sobre meninos pobres que dão uma reviravolta na vida. Não. O filme é para quem tem a sensibilidade de enxergar, acima de tudo, lutadores de verdade, cada um deles.
Levar porrada na cara não é problema pra quem cresceu sem nada. Mas as histórias de “Facing Ali” não são sobre dores físicas, mas sobre pancadas de espírito, pancadas que só alguns conseguem agüentar sem serem nocauteados.
Ficam aqui, então, minhas recomendações: “Tyson” e “Facing Ali”.
Boxeadores – impossível não gostar destas figuras!
2 comments:
Nossa, lembro da mordida de Tyson!
Máquinas de sobrevivência.
Meu avô era boxeador, branco. Há dissidentes. E como ele, aprendi a me defender.
Foium marco histórico a renúncia de de Muhammad à guerra. Guerra esta que os EUA perderam!!!!
beijosss
Gi
tranquila, em silêncio, mas sempre de bizóio nessas coisas que você escreve. êh mão boa.
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